domingo, 9 de outubro de 2016

Velhos hábitos e nova mania

Confesso que só agora li uma notícia da Rádio Hertz, datada de 28 de Setembro, cuja importância para a política local considero dever ser realçada. Sob o título "Tomar - Flecheiro foi motivo de ânimos exaltados na reunião de Câmara. Entrevista de Anabela Freitas à Hertz no foco da discussão", pode ler-se no seu último parágrafo: 
"João Tenreiro não gostou de ouvir que o PSD tem «discutido o assunto na praça pública» [o realojamento dos ciganos das barracas do Flecheiro] e desafiou Hugo Cristóvão a apontar exemplos disso mesmo. O vereador acusou o vice-presidente de mentir quando refere que os sociais-democratas têm falado sobre o assunto publicamente, retorquindo que têm sido a presidente Anabela Freitas e até Luís Ferreira, membro da Assembleia Municipal de Tomar, a fazer aquilo de que o PSD é acusado."


                       Foto Rádio Hertz, que agradecemos

Temos assim que, para grande espanto meu, neste final de 2016, em pleno século XXI, em Portugal, na Europa ocidental, 42 anos após o 25 de Abril redentor, 227 anos depois da Revolução francesa - "Liberdade, Igualdade, Fraternidade", dois eleitos jovens e com formação superior, um deles advogado, o outro com experiência docente, se envolveram numa acesa discussão sobre o sigilo das reuniões camarárias. É verdade, caro leitor! Sobre o secretismo de tais reuniões, que todos os verdadeiros democratas -julgo eu- sabemos deverem ser públicas e os seus assuntos amplamente conhecidos de todos. A famosa transparência democrática. Tão apregoada, mas tão pouco praticada.
A qual transparência, a julgar por este triste exemplo, ainda não chegou aos cérebros dos eleitos que temos. Só assim se explica a notícia da Hertz, que mais parece sobre um conselho de ministros do tempo de Salazar, ou àcerca de uma reunião do Comité central do PCP. Só que a administração salazarista findou há mais de quatro décadas, e quanto aos comunistas foram obrigados à clandestinidade durante décadas, o que lhes deixou hábitos típicos. Que explicam a sua geral propensão para a desconfiança, a cautela, a prudência e o secretismo. Mas tal não é de modo algum o caso dos jovens vereadores em causa. Trata-se por conseguinte de algo não herdado de vivências anteriores, que só eles poderão explicar. Mas é claro que não o farão, exactamente porque preferem e vivem melhor com o segredo e a ignorância alheia...
Lamento sinceramente ser forçado pelas circunstâncias a  escrever isto, posto que tenho muita simpatia pelos dois intervenientes, que considero honestos e julgo deveras empenhados na gestão do nosso concelho. Ficaria porém de mal com a minha consciência se o não fizesse.
Porque é meu entendimento que está afinal em causa o futuro de todos nós. Ou alguém está convencido de que, com eleitos que nem sequer aceitam com naturalidade a ampla discussão pública de todos os assuntos autárquicos, conquanto possam jurar o contrário, vamos conseguir ir a algum lado, a não ser para a ruína total? Não é verdade que, regra geral, o segredo é a eficaz protecção dos incompetentes? Como poderão os cidadãos votar conscientemente se ignoram as asneiras cometidas pelos candidatos, em geral ocultadas com eficácia, graças à lei não escrita do secretismo?
No que  me toca, penso ter finalmente encontrado neste inesperado incidente verbal a principal causa da nossa acelerada decadência. A persistente mania do secretismo, da confidencialidade, do entre nós, com tudo o que isso implica de nefasto e contrário aos ventos que sopram por todo o lado. Menos em Tomar, pelo que se vê. Por isso os outros avançam, mas nós retrocedemos. Por isso outras cidades crescem, mas Tomar definha.
Pobre terra! 

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