Mário Cobra
“A Câmara de Torres
Novas precisa de mais 70 trabalhadores…está em causa a contratação de oito
funcionários para várias secções tendo a proposta sido aprovada pelos PS e pelo
PSD, com a abstenção do BE. A vereadora do Bloco de Esquerda mostrou muitas
dúvidas quanto a algumas das contratações previstas, entre elas a de um técnico
superior de literatura clássica e outro de cinema. "O município de Torres
Novas só tem um calceteiro que trabalha sozinho e este já se queixou a mim e ao
presidente da câmara", afirmou a autarca. (Semanário O Mirante)
Nota - Vai daí, acompanhámos os profundos momentos
desta superior tomada de posição por parte do compenetrado presidente da câmara.
Cofiando o bigode ralo, estilo Errol Flynn em
versão Médio Tejo, o edil torrejano, absorvido nas suas majestáticas funções de
presidente, assomou-se à varanda, fixou-se naquela auréola de quem envereda por
opções e arrebitou a pusilânime postura de preparar a admissão de 70
trabalhadores dos clássicos. No gabinete, um prelúdio de Chopin engrandecia os
momentos da ponderação. Adorava música clássica. Quando atendia qualquer
munícipe, sempre com fundo musical, perguntava de imediato “Quer ouvir
Beethoven ou Quim Barreiros?”. Registou no bloco de notas “Não esquecer
valorizar a componente clássica da cultura citadina”. Novo registo no bloco de
notas “Admitir técnico superior de literatura clássica”.
Sabendo que
alguns dos seus súbditos ainda adoravam Sócrates (o ex-primeiro ministro, mais enriquecedor ao que consta, não o
filósofo da Grécia clássica, demasiado indigesto) contava que o técnico
superior realçasse aspectos mais problemáticos do grande pensador,
nomeadamente:
- Unir-se a deuses malignos que
gostavam de destruir as cidades.
- Corromper jovens com as suas
ideias.
O edil
preferia Homero, o poeta épico da Grécia antiga, em especial a forma prosaica como
este proclamava “Ó que merda”, a resposta que ao edil apeteceu dar quando a oposição
recalcitrou “Não estamos a ver necessidade de um técnico superior de literatura
clássica e outro de cinema. O município de Torres Novas só tem um calceteiro
que trabalha sozinho e este já se queixou a mim e ao presidente da
câmara". Tomou nota “Admitir técnico superior em calcetadoria, para
supervisionar o calceteiro que trabalha sozinho”. Não podia hesitar, baseando-se
no pensamento de Homero “A marca da sabedoria é ler correctamente o presente e
marchar de acordo com a ocasião”.
Não
entendia de todo o comentário da oposição, só porque ele, em momento de génio,
fora à casa de banho e desenriçara a decisão de abrir o próximo ano cultural com
a versão torrejana de um grande filme clássico. Já tinha título para o mesmo “O
parque jurássico da Pedreira do Galinha”. Registara no bloco de notas “Admitir
técnico superior de cinema”.
Outros registos
respigados do citado bloco:
-Um técnico superior em nozes e
outro em passitas por causa da feira dos frutos secos.
-Um técnico superior em
ortodoxia por causa da Santa da Meia Via.
-Um técnico superior em
musculação por causa da fortaleza medieval
-Um técnico superior em línguas
mortas por causa dos cemitérios.
-Um técnico superior em achados
e em rezas a Santo António de Pádua, protector em Itália das coisas
extraviadas, por causa dos 40 funcionários que o município perdeu nos últimos
dois anos.
E por aí
fora, até 70. Que o orçamento do Estado é sempre generoso. E o bolso dos
contribuintes um manancial que os sucessivos governos julgam inesgotável. O
problema virá só quando forem forçados a constatar o equívoco.
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