Lê-se por aí, com cada vez maior frequência, o dístico "Tomar - Cidade Templária". A autarquia têm-se encarregado dessa difusão, sobretudo através do seu papel timbrado. Dada a já relativa notoriedade, convém escrever a verdade factual, não vá alguém atribuir-se abusivamente a respectiva paternidade. Atitude lamentável, porém assaz frequente em Tomar, nos tristes tempos de "copiar/colar" que vão correndo. Fui, sem querer, o seu autor, nos idos de 90 do século passado.
Era então vereador camarário o socialista tomarense Lino Rola Cotralha, infelizmente já falecido. Tendo celebrado com a empresa J.C Decaux, em representação do município, um acordo de colocação de publicidade estática no espaço urbano, em torres redondas e painéis -os chamados MUPIS- foi-lhe pedido pelos criativos da referida empresa um ideia geral para uma torre plana a instalar na principal entrada da cidade, ali ao lado da actual rotunda do Padrão de D. Sebastião. Ao fundo do acampamento dos ciganos, para perceberem melhor.
Dado que eu era na altura chefe da divisão sócio-cultural da câmara, função na qual havia sido provido mediante prévio concurso público, o vereador Lino Cotralha veio falar comigo, solicitando o que eu conseguisse arranjar sobre o assunto. Pedi-lhe algum tempo para pensar e no dia seguinte transmiti-lhe o que conseguira: 1 - Decorar a torre com uma reprodução da Balsa dos templários (ver foto), a bandeira da extinta ordem, que Tomar é a única cidade no país e na Europa a ainda poder içar e usar legalmente, uma vez que a citada milícia nunca aqui deixou de existir; 2 - Inscrever sob o estandarte o dístico Tomar Cidade Templária.
O que aconteceu de então para cá é conhecido.
Sucede contudo que, originariamente, a minha ideia tinha sido outra. Pensara em Tomar - Capital Templária, procurando respeitar a História. Porque cidades templárias há outras em Portugal -Pombal ou Castelo Branco, por exemplo- mas capital há só uma -A minha querida Tomar terra-mãe. Calei a ideia primeira e comuniquei tão só a segunda, desculpando-me perante mim próprio com um argumento de circunstância. Deixa ver primeiro se pega. Depois, se tal for o caso, será sempre oportuno e menos abrupto passar de "cidade" para "capital" templária.
Na verdade foi apenas um argumento-desculpa, visando esconder a verdadeira razão para me retrair Já então receava muito do que veio a acontecer depois. Penso por isso ser agora tempo de contar toda a verdade.
O que então levou a que me retraísse foi o facto de ter constatado a já nessa época problemática situação. Por outras palavras, chegara à conclusão que Tomar ainda podia ser designada de cidade e/ou capital templária, porque tal foi o seu estatuto durante séculos e porque o património edificado que testemunha essa época de ouro ainda aí está. Mas cidade capital templária apenas de certo modo, num certo sentido trágico. Porque guarda ainda o património edificado nessa época, mas faltando-lhe porém o mais importante: A mística templária, a mentalidade ousada e ganhadora, a crença em suma. E sem isso, pouco ou nada se consegue. Pelo que, estamos como estamos. Infelizes, mas não muito.
Durante três séculos, a milícia templária soube engrandecer, e de que maneira, a inicial doação de D. Afonso Henriques, como recompensa pela acção da ordem durante a conquista de Santarém aos mouros. Fê-lo numa situação de larga autonomia, dependendo quase unicamente da boa vontade dos sucessivos soberanos portugueses, mas também dos papas, pois Tomar era então uma diocese nula. Dependia directamente de Roma, tendo o superior religioso da ordem dignidade episcopal. O bispo de Tomar era o de Roma. O próprio Papa. Esta situação manteve-se inalterada até à extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834. E só já na segunda metade do século passado criaram o bispado de Santarém e nele incluíram Tomar, sem antes ouvirem os católicos tomarenses que, verdade seja dita, aceitaram aquilo que julgaram ser a vontade do Senhor, sem sequer esboçar um início de protesto.
A época de ouro de Tomar resume-se afinal a um século, ou pouco mais. Começou com o Infante D. Henrique que, como seu administrador nunca eleito, financiou a empresa dos descobrimentos com "os cabedais da sua fazenda e as rendas da Ordem de Cristo", segundo escreveu o seu cronista Zurara. Findou em 1529, quando o frade jerónimo tomarense António Moniz da Silva, formado em Espanha e que gostava tanto de Tomar que até adoptou o nome monástico de Frei António de Lisboa, conseguiu do rei e também mestre da Ordem de Cristo D. João III, de quem era o confessor, autorização para reformar a então florescente milícia templária.
Escudeiros, cavaleiros e comendadores foram então expulsos , sendo posteriormente substituídos, após a edificação da primeira parte do designado Convento novo (sector renascentista do actual monumento), por "vinte noviços ignorantes", segundo o próprio frei António. Feito isso, a coroa e os seus servidores e dependentes passaram a dominar e a sugar a região. Situação que ainda hoje se mantém.
Numa fase intermédia, entre a extinção da ordem e o 25 de Abril, Tomar foi transformada numa cidade de guarnição, com um quartel general, um regimento de infantaria e mais tarde um hospital militar. Paralelamente, empreendedores portugueses e franceses souberam aproveitar os bens da Ordem de Cristo, vendidos ao desbarato, na sequência da extinção da ordem, em 1834, conforme já antes se escreveu. Foram os sucessivos leilões de "bens nacionais" que permitiram o surgimento de várias unidades industriais nas margens do Nabão, sobretudo de tecidos e de papel.
Ultrapassadas em equipamento, obsoletas em termos de gestão, sobrevivendo graças aos baixíssimos salários, que os trabalhadores aceitavam sem protesto porque a força militar era muita, todas essas unidades acabaram na falência. Resta apenas a Fábrica de papel do Prado, agora dedicada aos cartões e cartolinas, cuja saúde é extremamente preocupante.
Desses tempos gloriosos, em que houve mística, mentalidade e crença, tudo valores hoje fora de moda, resta-nos pouco mais que uma espécie de saudade difusa, e a expressão "fazer algo por Tomar", que os habitantes saudosistas e tacanhos costumam utilizar numa curiosa acepção acusatória, quando querem crucificar alguém politicamente. Proclamam então, em tom desdenhoso, "Esse gajo nunca fez nada por Tomar!"
Infelizmente para eles e para todos nós, nem sabem muito bem o que estão a dizer. A sua fraca ou mesmo inexistente cultura geral não lhes permite entender que outrora, "fazer algo algo por Tomar" significava trabalhar com denodo em prol da comunidade tomarense, possibilitando o progressivo enriquecimento da mesma. Pouco ou nada tinha a ver com a prática actual, no âmbito da qual "fazer algo por Tomar" significa apenas pedinchar e depois estoirar recursos públicos em actividades que não geram mais valia reprodutiva. Caímos na república dos pedintes e dos subsídios para tudo e mais alguma coisa. Até para a compra encapotada de votos, nomeadamente com passeios, papas e bolos...
Haja saúde que isto um dia há-de mudar. Já só falta saber quando.
E viva Tomar - Capital templária!
anfrarebelo@gmail.com
Durante três séculos, a milícia templária soube engrandecer, e de que maneira, a inicial doação de D. Afonso Henriques, como recompensa pela acção da ordem durante a conquista de Santarém aos mouros. Fê-lo numa situação de larga autonomia, dependendo quase unicamente da boa vontade dos sucessivos soberanos portugueses, mas também dos papas, pois Tomar era então uma diocese nula. Dependia directamente de Roma, tendo o superior religioso da ordem dignidade episcopal. O bispo de Tomar era o de Roma. O próprio Papa. Esta situação manteve-se inalterada até à extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834. E só já na segunda metade do século passado criaram o bispado de Santarém e nele incluíram Tomar, sem antes ouvirem os católicos tomarenses que, verdade seja dita, aceitaram aquilo que julgaram ser a vontade do Senhor, sem sequer esboçar um início de protesto.
A época de ouro de Tomar resume-se afinal a um século, ou pouco mais. Começou com o Infante D. Henrique que, como seu administrador nunca eleito, financiou a empresa dos descobrimentos com "os cabedais da sua fazenda e as rendas da Ordem de Cristo", segundo escreveu o seu cronista Zurara. Findou em 1529, quando o frade jerónimo tomarense António Moniz da Silva, formado em Espanha e que gostava tanto de Tomar que até adoptou o nome monástico de Frei António de Lisboa, conseguiu do rei e também mestre da Ordem de Cristo D. João III, de quem era o confessor, autorização para reformar a então florescente milícia templária.
Escudeiros, cavaleiros e comendadores foram então expulsos , sendo posteriormente substituídos, após a edificação da primeira parte do designado Convento novo (sector renascentista do actual monumento), por "vinte noviços ignorantes", segundo o próprio frei António. Feito isso, a coroa e os seus servidores e dependentes passaram a dominar e a sugar a região. Situação que ainda hoje se mantém.
Numa fase intermédia, entre a extinção da ordem e o 25 de Abril, Tomar foi transformada numa cidade de guarnição, com um quartel general, um regimento de infantaria e mais tarde um hospital militar. Paralelamente, empreendedores portugueses e franceses souberam aproveitar os bens da Ordem de Cristo, vendidos ao desbarato, na sequência da extinção da ordem, em 1834, conforme já antes se escreveu. Foram os sucessivos leilões de "bens nacionais" que permitiram o surgimento de várias unidades industriais nas margens do Nabão, sobretudo de tecidos e de papel.
Ultrapassadas em equipamento, obsoletas em termos de gestão, sobrevivendo graças aos baixíssimos salários, que os trabalhadores aceitavam sem protesto porque a força militar era muita, todas essas unidades acabaram na falência. Resta apenas a Fábrica de papel do Prado, agora dedicada aos cartões e cartolinas, cuja saúde é extremamente preocupante.
Desses tempos gloriosos, em que houve mística, mentalidade e crença, tudo valores hoje fora de moda, resta-nos pouco mais que uma espécie de saudade difusa, e a expressão "fazer algo por Tomar", que os habitantes saudosistas e tacanhos costumam utilizar numa curiosa acepção acusatória, quando querem crucificar alguém politicamente. Proclamam então, em tom desdenhoso, "Esse gajo nunca fez nada por Tomar!"
Infelizmente para eles e para todos nós, nem sabem muito bem o que estão a dizer. A sua fraca ou mesmo inexistente cultura geral não lhes permite entender que outrora, "fazer algo algo por Tomar" significava trabalhar com denodo em prol da comunidade tomarense, possibilitando o progressivo enriquecimento da mesma. Pouco ou nada tinha a ver com a prática actual, no âmbito da qual "fazer algo por Tomar" significa apenas pedinchar e depois estoirar recursos públicos em actividades que não geram mais valia reprodutiva. Caímos na república dos pedintes e dos subsídios para tudo e mais alguma coisa. Até para a compra encapotada de votos, nomeadamente com passeios, papas e bolos...
Haja saúde que isto um dia há-de mudar. Já só falta saber quando.
E viva Tomar - Capital templária!
anfrarebelo@gmail.com
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