quinta-feira, 25 de abril de 2024



Património histórico local

O "Forno romano" e a Ponte velha

Está crónica tem como origem um favor da directora do Templário. Escreveu a senhora, na mais recente edição, que o autor destas linhas é um "exímio conhecedor da história de Tomar". Podendo nem corresponder à realidade, trata-se ainda assim de uma afirmação que acarreta responsabilidades na área em questão. Donde o que segue.
Nas obras ainda em curso no Flecheiro, acompanhadas por um arqueólogo porque a isso obriga a legislação vigente, apareceram umas ruínas antes enterradas. O arqueólogo adstrito à obra anunciou pouco depois que se trata de um forno romano, sem contudo justificar documentadamente as suas afirmações.
Seguiu-se o habitual em Tomar. As ruínas foram deixadas sem qualquer protecção, o que alarmou alguma informação local e levou quem isto escreve a lembrar que, nestas coisas dos achados arqueológicos, é prioritário efectuar a rigorosa datação, recorrendo aos meios idóneos disponíveis -outros arqueólogos, além do que encontrou as ruínas, e exames com carbono 14 ou similar.
Em vez disso, aproveitando uma efeméride, a maioria socialista camarária organizou uma visita às ruínas em causa, guiada pelo mesmo arqueólogo que as identificou, e na qual participou o presidente da Câmara, segundo se deduz das imagens publicadas no Templário.
Durante a visita, o arqueólogo licenciado Carlos Batata teve ocasião de desenvolver os seus pontos de vista sobre as citadas ruínas, tendo a dada altura afirmado que contribuem para se perceber melhor a realidade de Sellium, durante a ocupação romana. Acrescentou mesmo que terá havido duas pontes ligando as margens, a actual Ponte velha e a Ponte das ferrarias.
Vivemos felizmente em plena democracia de tipo ocidental, podendo cada cidadão dizer o que lhe aprouver, sem que daí advenham consequências adversas. Acontece contudo que o licenciado Batata é um arqueólogo respeitado na urbe, pelo que não deve debitar fantasias, mesmo para tentar colmatar asneiras anteriores.
Não é o local nem o tempo para um debate aprofundado sobre estas questões da alegada ocupação romana no actual perímetro urbano, não se podendo contudo deixar passar sem um reparo fantasias de circunstância.
Está por demonstrar de forma insofismável que o pretenso "fórum romano" seja isso mesmo, ou apenas os restos dos alicerces de duas igrejas que ali houve e cuja existência está documentada. Da mesma forma, sustentar que a ponte velha já existiria na época romana, é uma mera fantasia.
Até ao século XV (15), toda a zona agora chamada "cidade velha" foi um pântano, conforme ainda documentam os topónimos actuais -Várzea grande e Várzea pequena, sendo que em português várzea é um terreno alagado, pantanoso, geralmente usado na cultura do arroz. Assim sendo, não faria sentido uma ponte para ligar uma margem seca a um pântano, tanto mais que a actual Av. Marquês de Tomar só existe desde o século XIX (19, para os cidadãos mais novos, que já não aprenderam a escrita romana na escola). Além disso, a própria amarração da ponte do lado poente indica que é posterior à construção do Açude dos frades, provadamente da época do Infante D. Henrique, mil e quatrocentos anos após o Império romano. Há que ter a noção das coisas.
A fechar, deixem-se de tretas interesseiras e procedam de acordo com as boas práticas. Consultem pelo menos dois outros arqueólogos e mandem datar as ruínas de forma científica, e não só "a olho". Depois e só depois, procedam de acordo com os resultados obtidos. Preservem se valer a pena em termos históricos, enterram de novo se não for o caso.
E não se esqueçam que há eleições no próximo ano, continuando por concluir as obras do alegado "fórum de Sellium", que pode bem vir a revelar-se, infelizmente,  uma das fraudes arqueológicas desta terra que me viu nascer.



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