sexta-feira, 2 de junho de 2023

Desenvolvimento económico

Os tabuleiros como concentrado das contradições tomarenses - 2

Entre os tomarenses que "vêem a Festa com outros olhos" destacam-se os tomaristas, ou "verdadeiros tomarenses", na linguagem pitoresca de um apoiante ferrenho da actual maioria. Sobrevalorizam a festa dos tabuleiros, ao ponto de lhe atribuírem uma importância nacional e internacional, que na verdade ela não tem. Prova disso é o facto da palavra "tabuleiro" nem sequer constar nos dicionários de português, com o significado que lhe atribuem em Tomar. 
Basta consultar, para constatar que "tabuleiro" pode ser "1- Quadro em geral de madeira usado em diversos jogos (damas, xadrês, gamão); tábula; 2 - Em feiras e mercados, mesa rústica feita de tábuas, em que o feirante expõe legumes, fruta, enchidos, queijos, etc. 3 - Recipiente raso e com bordas baixas, usado em geral para servir alimentos, líquidos, etc. ; bandeja".
Por conseguinte, o termo tabuleiro, para designar um cesto de verga, armado e ornamentado na vertical, não passa afinal de um vocábulo em "tomarês", que não integrou ainda o dicionário de português. -Não tem importância, dirão os tais tomaristas, que idolatram a festa, sem disso se darem conta. E realmente, tudo é relativo. Como é o povo que vai fazendo a língua, têm todo o direito de atribuir mais um significado à palavra tabuleiro, que por outro lado permite vislumbrar a verdadeira origem da festa tomarense.
Porquê  "dos tabuleiros"? Certamente porque na origem, há séculos, era mesmo disso que se tratava. De um desfile de oferendas, em tabuleiros rasos ornamentados, à cabeça de raparigas, chamadas fogaceiras. As ainda hoje muito conhecidas fogaças, tabuleiros enfeitados e com bolos de festa, presuntos ou enchidos, destinados a oferendas religiosas, para serem leiloados durante o arraial anual.
Não há praticamente fotografias dos tabuleiros anteriores a 1930, mas mesmo assim existem alguns exemplos de tabuleiros em forma de barco, de pirâmide cónica, ou ainda barrigudos, a mostrar que antes da normalização autoritária de João Simões, em 1940, aquando da Exposição do mundo português, terá havido cortejos de fogaças, mais tarde de fogaças e dos recém-descobertos tabuleiros, para culminar na imposta uniformidade actual, posterior a 1950, que não é própria das manifestações populares. Os regimes autoritários, tanto da direita como da esquerda, é que gostam muito de desfiles sem desvios formais.
Exactamente o que acontece com a relativamente recente designação de "mordomo da festa" (o chefe dos criados), que veio substituir o tradicional "juiz da festa", soberano nas suas decisões, no quadro do império do Espírito Santo, representado pela coroa em cada tabuleiro. Como ainda acontece por exemplo em Carregueiros, cujos habitantes, convém não esquecer, são descendentes directos dos tomarenses expulsos na primeira metade  do século XVI do Vale de S. Martinho, onde está agora o chamado Convento novo (parte renascença do Convento de Cristo). E que escolhem anualmente o juiz da festa seguinte, entregando-lhe a coroa, símbolo do império, e o báculo, símbolo do poder.

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