quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Uma presidente excelente em oralidade

São conhecidas as minhas discordâncias políticas com a Sra. D.ª Anabela Freitas. Tenho-as escrito ao correr do tempo e assim demonstrado que a senhora é, na prática, alérgica à crítica. Acontece. Só lamento que confunda divergências políticas com questões pessoais. O que a levou, pelo menos num caso preciso, a enveredar pela falta de cortesia, nada recomendável numa eleita pelo povo. Coisas.
O que antecede não impede, antes valoriza, o que vou dizer. A Sra. D.ª Anabela Freitas também tem qualidades, evidentemente. Uma delas é uma excelente oralidade, a qual ficou bem patente na sua intervenção de despedida do mandato que agora termina. Segundo o excerto de gravação da Rádio Hertz, que pode ouvir aqui, em dois minutos e vinte seis segundos arranjou maneira de discriminar os vereadores de forma subtil, para depois rematar com uma frase de mestre, que lamentavelmente é falsa. Vamos aos factos.
Fazendo as suas despedidas, a senhora presidente dirigiu-se aos "vereadores do PSD" e ao "vereador Bruno Graça", mas logo a seguir referiu o "doutor Pedro Marques". Circunstância que só pode ser significativa, porquanto João Tenreiro também é licenciado em direito e advogado, tal como Pedro Marques. Mas não teve direito ao "doutor". É bem feito! Quem o manda ser do PSD e por isso adversário da senhora do PS, agora com maioria absoluta?
Algo semelhante ocorreu com Bruno Graça, ex-coligado com a senhora presidente. Licenciado e mestre em engenharia, o ex-vereador CDU é portanto engenheiro desde os tempos em que Pedro Marques ainda andava de calções, e a senhora presidente no jardim de infância. Apesar disso, também não teve direito ao protocolar "engenheiro" antes do nome. Decerto porque, na ocasião em que falou, a Sra. D.ª Anabela Freitas já não precisava dos seus préstimos, na qualidade de apêndice utilitário da maioria relativa do PS, que entretanto se transformou em absoluta, logo mudando alguns comportamentos, que se vão tornando sibilinamente mais arrogantes. E a procissão ainda nem saiu da igreja.
Mas o detalhe mais significativo da referida intervenção presidencial parece-me ser uma sentença inspirada, eventualmente obra de algum conselheiro em comunicação, daqueles estipendiados por ajuste directo. Dirigindo-se especificamente ao "doutor" Pedro Marques, (como se ele já  fosse, por exemplo, seu chefe de gabinete), disse a Sra. D.ª Anabela Freitas esta frase espantosa: "Como sabe, só somos criticados por duas coisas, é por tudo e por nada."
Trata-se evidentemente de mero desabafo de alguém alérgico às divergências e à crítica, que são afinal colunas mestras do edifício democrático. Digo mero desabafo, uma vez que a senhora não pode ignorar que o que disse é falso. Totalmente falso.
Julgo saber do que falo, por dois motivos. Desde logo porque em Tomar a informação que temos não critica os autarcas da maioria, devido a um fenómeno que M. Villaverde Cabral denuncia aqui, e que resumidamente é este: Quando a esquerda alcança o poder, a sua primeira e principal preocupação é controlar a informação.
No caso específico de Tomar, ninguém critica  e só é publicado aquilo que convém aos instalados no poder. Isto porque a informação, tanto a nível geral como local, se divide em dois grupos: O primeiro, que integra os órgãos que são a voz livre dos seus jornalistas e/ou comentadores (o Expresso ou o Público, por exemplo), o outro, que engloba os meios que apenas publicam a voz do dono.
Aqui no vale do Nabão  os cidadãos bem informados sabem qual é a situação. Os jornalistas só escrevem ou dizem o que os patrões deixam, porque emprego a quanto obrigas. Os patrões, por sua vez, só deixam avançar o que não ofenda a sensibilidade exacerbada dos detentores do poder, porque caso contrário estes cortam-lhes os víveres e adeus órgão de informação. Não se trata por conseguinte de cobardia ou incompetência, mas apenas de realismo. Tanto dos donos como dos jornalistas e comentadores.
Depois, segundo motivo, sendo a informação local o que tem sido, só eu e mais um ou dois estamos em condições de "cortar a direito", doa a quem doer. E a Sra. D.ª Anabela Freitas sabe bem ser falso afirmar, como o fez, que a criticam "por tudo e por nada". A partir do momento em que se resolvesse ir por aí, julgo que a senhora passaria a dormir menos repousadamente. Os outros comentadores críticos agirão por necessidade e/ou educação. Quanto a mim, nada me limita, a não ser a minha vontade. Mas prefiro ter uma presidente em boa forma física e psíquica, mesmo se nem sempre concordo com o que diz ou faz. Porque é nesse ponto preciso que política e vida privada se mesclam. A crítica política pode provocar ou agravar bastante alguns problemas de saúde.
Criticar é uma coisa. Agredir é outra. Nalguns casos, as maiorias absolutas tendem a tornar os vencedores algo agressivos. E depois fazem constar que Tomar a dianteira é que é demasiado agreste. Feitios, diria o Raúl Solnado. Ou, visto de outro ângulo, convirá talvez citar aquele velho provérbio árabe, segundo o qual "As viagens enriquecem bastante. Mas toma cautela; se mandares o teu burro à Meca, ele vai regressar tão asno como antes da viagem." E andar na política é afinal uma extraordinária viagem ao mundo do labor e da convivência humana.




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