domingo, 29 de outubro de 2017

Minudências nefastas

No curto espaço de alguns dias, Tomar na rede e Tomar TV publicaram isto, que encontraram nessa descomunal lixeira chamada Facebook:


Tratando-se de dois dos mais modernos e prestigiados órgãos de informação local e regional, fui levado a matutar no assunto, uma vez que se trata afinal de algo corrente. Uma ementa de uma casa de pasto com refeições completas a 7 euros, dificilmente poderia ser uma obra asseada em termos ortográficos.
No caso, as discrepâncias são até bastante correntes, com duas excepções. Noutros termos, são erros comuns, que os especialistas classificam como "falhas de homofonia", as quais muito raramente afectam a compreensão da mensagem.
Açado por assado, musse por mousse, aseite por azeite, e assim sucessivamente, revelam apenas falta de agilidade prática no uso da língua escrita, sem afectar o entendimento da mensagem. Na ementa em questão só dois erros são menos triviais. As doradas grelhas revelam que a autora estava com tanta pressa ao escrever que inconscientemente eliminou uma sílaba. 
Já o caso da musse de orrew, (ou será orreu?) é mais curioso. Quem escreveu, usou a marca comercial de bolos forrados a chocolate ORÉO, à venda em qualquer supermercado, como um nome comum da língua portuguesa. Ninguém consegue parar o progresso. É cada vez mais comum comprar o produto por causa da marca. No fundo, comprar a marca, confundida com o produto. Você usa um telemóvel ou um iphone? Uma esferográfica ou uma Bic?
Explicado que está o conteúdo, falta abordar a questão do destaque que lhe foi dado, injustificado quanto a mim. Sem qualquer intuito de criticar, apenas e só procurando compreender em termos antropológicos, creio tratar-se de uma síndrome tomarense herdada. Dar importância a minudências, a meros detalhes, ser coca-bichinhos, sem disso se aperceber, devido à educação e à envolvência sociológica. Um conhecido e respeitado jornalista tomarense, há muito falecido, disse o mesmo de forma involuntária. Questionado sobre o facto de não ter publicado determinada notícia, foi lesto na resposta: -Se eu publicasse isso, com que cara é que entrava depois no Paraíso? (Refería-se ao Café Paraíso, naquela altura o poiso diário da crème de la crème local.)
Procurando ser mais claro, parece-me que a informação tomarense, sobretudo a mais moderna, tende a privilegiar o acessório, ignorando o fundamental. Nuns casos, por manifesta e conveniente auto-censura. Noutros, por implícita censura prévia externa. Noutros ainda, devido à acima mencionada síndrome.
Os resultados aí estão. O autor destas linhas, que nunca foi, não é, nem pretende vir a ser jornalista, foi o primeiro a abordar, em termos noticiosos, gritantes chagas urbanas, com destaque para a carência de casas de banho (recorda-se da célebre "reportagem de merda"?) ou a constante falta de limpeza.
Dito de forma mais singela, o jornalismo local é bem capaz de publicar uma bela peça sobre o caso de uma mosca coxa no lombo de uma égua, mas abstém-se de dizer o óbvio -que a égua está com a mosca. Em sentido próprio, que no figurado pode ainda não estar.

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