Portugal é um país de brandos costumes e Tomar uma terra de costumes demasiado brandos em certas áreas. Apesar disso, é de elementar prudência ir sempre pensando que Nunca se sabe.
A peça que segue está muito afastada do âmbito deste blogue. Mesmo assim, pareceu importante publicá-la, entre outras coisas para homenagear todos aqueles que honestamente lutam de forma pacífica por uma informação livre ao serviço da comunidade. Trata-se de uma notícia publicada no LE MONDE online de 16/10/2017, actualizada em 17/10/2017.
"Em Malta, uma blogueira que denunciava casos de corrupção foi assassinada"
"Cronista em vários meios de comunicação, muito conhecida graças ao seu blogue muito popular, Daphne Caruana Galizia morreu ontem na explosão do seu carro de aluguer"
"Uma vez mais, Daphne Caruana Galizia acabava de publicar no seu blogue um artigo sobre um caso de corrupção implicando um político maltês. Na sua habitual escrita rápida e nervosa, expressou mais uma vez o seu profundo pessimismo perante essa epidemia local: "Doravante há vigaristas por todo o lado. A situação é desesperada."
Publicada às 14H35 de 16/10/2017, a frase adquire agora contornos premonitórios. A blogueira sua autora foi assassinada meia hora mais tarde, aquando da violenta explosão do carro de aluguer em que se deslocava. A viatura foi depois encontrada pelos serviços de socorro num terreno agrícola ao lado da estrada, próximo do seu domicílio. A natureza criminosa deste ataque contra uma figura da informação local que tinha muitos inimigos, não oferece quaisquer dúvidas. O primeiro ministro maltês, Joseph Muscat, que era um dos alvos principais de Caruana Galizia, classificou este acto de "bárbaro", acrescentando que "Hoje é um dia negro para a nossa democracia e para a nossa liberdade de expressão." Trata-se do primeiro assassinato político em Malta, desde os anos 80.
A jornalista agora desaparecida, historicamente próxima da oposição, tornara-se especialista na publicação de escândalos comprometedores implicando os políticos locais. O seu blogue em inglês era um dos mais lidos da ilha, frequentemente com mais leitores que os jornais tradicionais, nos quais ela colaborava ocasionalmente, mesmo se a maior parte dos seus rendimentos vinham da sua actividade como editora.
O estado em que ficou o carro conduzido pela jornalista
Publicou designadamente numerosos artigos sobre a implicação de gente próxima do primeiro ministro Muscat nos Panamá papers. O filho de Caruana Galizia, que estava em casa aquando da explosão, trabalha para o Consórcio internacional de jornalistas de investigação (ICIJ), que integra o LE MONDE [e em Portugal o EXPRESSO].
Com 53 anos, esta jornalista corajosa mas controversa tinha recentemente arranjado inimigos no seio do partido da oposição, que no entanto tinha apoiado aquando das eleições legislativas, em Maio. Publicou nomeadamente vários artigos em Agosto sobre o novo lider da oposição, Adrian Della, acusado de ter uma conta na ilha de Jersey, alimentada, segundo ela, por dinheiro proveniente da prostituição londrina. Esses artigos provocaram vários processos por difamação, de que ela fazia colecção, conjuntamente com as ameaças de morte, frequentes numa ilha tão pequena e dividida como Malta.
"Era muito independente na sua maneira de pensar", declarou Arnold Cassola, ex-líder do Partido Verde maltês. "Foi ela que revelou os maiores escândalos de Malta, mesmo se também arranjou muitos inimigos ao escrever por vezes coisas estúpidas."
É verdade que entre as manchetes, Caruana Galizia gostava também de criticar o vestuário dos membros da família dos responsáveis políticos, usando por vezes um vocabulário algo impróprio. No seu penúltimo texto de blogue, criticava a postura corporal de Adrien Della e "o seu pescoço que ultrapassa em 45 graus as omoplatas, como uma tartaruga".
Questionada pelo Le Monde em Maio sobre este tipo de textos de blogue, que muitos malteses consideravam que prejudicavam as suas restantes publicações, defendeu o respectivo estilo: "Penso que é importante, porque os políticos usam a sua imagem e até se servem dos seus filhos menores para fazer campanha."
Chocados, milhares de malteses desceram às ruas na segunda-feira à noite, para homenagear a jornalista e denunciar os bastidores pouco apresentáveis deste país membro da União Europeia desde 2004. O líder da oposição, Adrien Della, disse mesmo que este assassinato é uma "consequência directa do desmoronamento total do Estado de direito no país." "Isto é mais parecido com a Rússia do que com a Europa", confirma o eurodeputado Verde alemão Sven Giegold, que tinha conversado com Caruana Galizia no inverno passado, no âmbito da comissão de inquérito sobre os Panamá papers. "A sua paixão era revelar verdades secretas; mas numa sociedade estreita como Malta é algo muito difícil."
Apesar dos numerosos escândalos revelados por Caruana Galizia, o primeiro-ministro Joseph Muscat foi reeleito com larga maioria nas eleições legislativas de 3 de Junho passado."
Jean-Baptiste Chastand, Le Monde online, 17/10/2017
Tradução e adaptação de António Rebelo, UPARISVIII
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