domingo, 23 de julho de 2017

Se vai de férias

"Antes da partida, o eterno dilema ao fazer a mala"

"Quer se seja mais tipo "bagagem de mão", "mochileiro" ou "mala de porão", chegado o verão e a partida para férias é sempre a mesma coisa. Quando chega o momento de fazer o saco de viagem, a mochila ou a mala, o viajante hesita entre as suas necessidades reais e a vontade de levar tudo, "não vá dar-se o caso de..."

"Quanto a bagagem, a que grupo pertence? Cem metros, ou maratona? Peso pluma ou peso pesado? Levar tudo ou quase nada? Basta observar os viajantes num cais de gare ou de aeroporto para poder constatar. De um lado as malas de rodinhas, com 20 quilos e com sacos pendurados (tribo dos "nunca se sabe"). Do outro lado, a bagagem de mão ou a pequena mala de cabine (tribo dos "quando chegar logo vejo"). Todos porém já passaram por este momento de introspecção, quando chega a altura de fazer a mala: O que é que eu vou levar? Será razoável levar o Vítor Hugo em 5 volumes, ou o secador de cabelo, quando já nem há lugar para os sapatos? E o anti-mosquitos? E a bateria do computador? Levo ou não levo o guarda-chuva?
É a eterna hesitação entre a necessidade e o desejo. "A que se vem juntar a dúvida", explica a psicanalista Luce Janin Devillars, que acrescenta: "Para muitos homens e mulheres é um dilema corneliano, tanto mais que está ligado à necessidade de agradar, tanto a si próprio como aos outros." Donde resulta a panóplia  de vestuário, ou a paquidérmica bolsa de produtos de beleza, que ocupam até ao último fole da mala. O melhor ainda é confiar os seus estados de alma a uma lista. Método ideal para não esquecer nada e para se questionar sobre o interesse real de levar ou não levar mais este fato de banho.


"Na realidade, somos feitos de afectos e de emoções, e isso leva sempre a melhor sobre o pragmatismo", assegura Luce Janin Devillars. Perante a mala de uma criança, por exemplo, é sempre o pragmatismo que se impõe, ditado pelo facto de devermos encarar todas a eventualidades, incluindo o remédio anti-piolhos. "Demonstrando assim as inegáveis qualidades de bom pai ou boa mãe, capaz de fazer rapidamente uma mala como deve ser." Mas o emocional mesmo assim nunca está muito longe, algures entre a camisola de lã tricotada pela avó e a peruca Rainha da neve.
Faz-se naturalmente a mala tendo em conta a meteorologia, o local de destino, a duração prevista das férias e as actividades em que prevemos ir participar. Mas também em função da boa disposição que o conteúdo da mala nos  proporciona, bem como as suas propriedades para nos sossegar e nos contentar. Porque ainda que adulto, o viajante pode ter necessidade de mascotes ou feitiços. "Feitiço é uma palavra portuguesa, que significa amuleto ou sortilégio," explica  Luce Janin Devillars. "Assim, não cumprindo com o hábito de pôr a mascote no fundo da mala de viagem, o viajante pode ser levado a pensar que aquilo não é de bom augúrio para a viagem."
E depois, lembra ainda a psicanalista, "somos a nossa casa, o que explica que, se não podemos evidentemente levar tudo na mala, pelo menos levamos um ou vários objectos que nos ligam ao nosso lar." Com tudo o que é necessário, porque útil ou fútil, para que cada um possa partir com o coração leve e pleno de alegria."

Martine Duretz, Le Monde online, 22/07/2017
Tradução e adaptação de António Rebelo, (UParisVIII 1968/1974)

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