Os que até agora leram Infelicidades, (apenas 39, que estas coisas da grande política não estão ao alcance de todos os dentes), provavelmente terão ficado surpreendidos com a minha posição. Numa enxurrada de reacções contra o mal educado holandês, fui a única voz a tentar compreendê-lo. Depois apareceu José Manuel Fernandes, mas as atitudes agastadas continuaram a manifestar-se. Ampliadas pelo aparente coro internacional de apoio a Portugal, cujo primeiro-ministro, imagine-se, exigiu a demissão imediata do pecador calvinista.
No meio da euforia condenatória, quase ninguém viu o óbvio. Os apoios a Portugal vieram apenas de países de sul, com graves problemas orçamentais como nós, destacando-se a Espanha, cujo governo conservador apenas está ao nosso lado porque o seu ministro das finanças, Luís de Guindos, foi vencido pelo holandês aquando da escolha para o cargo europeu pelo holandês, e viu agora uma oportunidade de desforra.
O agora odiado holandês calvinista, porque ousou dizer uma verdade inconveniente, em termos demasiado francos.
Ainda ontem, o ministro Caldeira Cabral julgou oportuno martelar um pouco mais as críticas ao holandês de nome impronunciável por um latino, não se dando conta que para lá de Bruxelas ainda ninguém nos apoiou ou tenciona vir a apoiar. Et por cause...
Com a sua usual acutilância, Vasco Pulido Valente é mais uma vez límpido e incontestável na sua análise:
"Copos e mulheres – José Manuel Fernandes foi o único a perceber que o comentário do sr. Dijsselbloem era um comentário de calvinista. Infelizmente, acabou aí. Mas vale a pena continuar. Garton Ash já pediu em público aos seus amigos Merkel e Schäuble que não tratassem a crise do Euro como “um ramo da teologia” e, para uso dos zoilos, também já explicou que esta perversão vem das profundezas da cultura alemã. Em alemão a palavra para orçamento (do Estado, por exemplo), Haushalt, significa simultaneamente “casa de família” ou, se quiserem, “lar”, um termo em desuso mas talvez mais exacto; e que a palavra Schuld quer dizer ao mesmo tempo “dívida” e “culpa”. Garton Ash acrescenta que na imprensa e na televisão se chama habitualmente aos países do Sul “pecadores fiscais”.
Lá do outro lado, Max Weber deve estar a rir-se das críticas que lhe fizeram. Afinal parece que há mesmo uma divisão profunda, de que ninguém se atreve a falar, entre a Europa protestante, onde o capitalismo encontra um leito macio, e a Europa católica (Portugal, Espanha, França e a maior parte de Itália – a Grécia ortodoxa por definição não conta), onde a Igreja por séculos e séculos habituou as gentes à irresponsabilidade pessoal e à dependência do padre, do bispo ou do cardeal, e onde o capitalismo encontrou um ambiente áspero e um Estado absorvente. Richard Tombs, um historiador de Cambridge especialista em história francesa, escreveu a semana passada que não existia no mundo um país tão anticapitalista como a França. Esqueceu-se de Portugal.
Quanto aos “copos e mulheres” do sr. Dijsselbloem, que aqui foram recebidos com hipócrita indignação, não passam de uma transparente metáfora para a classe média em larga medida inútil e parasitária que a democracia criou e para os serviços sociais que ela não pode de toda a evidência sustentar. Nestes apertos nós somos verdadeiramente católicos, esquecemos os nossos desvarios como quem se confessa e, apagando o passado ou até mesmo o presente, consideramo-nos honestos e limpíssimos."
Que relação tem tudo isto com Tomar e os tomarenses? A mentalidade. Sim, a mentalidade. Temos a mesma mentalidade pouco rigorosa e muito gastadora em despesas não produtivas dos gregos ou dos italianos do sul. E muito menos recursos.
Ainda ontem foi noticiado, por exemplo, que a câmara de Abrantes resolveu atribuir meio milhão de euros, a fundo perdido, a colectividades culturais e desportivas. Compra de votos a prazo, obviamente. Numa terra cada vez mais desgraçada, como Tomar, cuja maioria relativa, com uma dívida municipal agora de 24 milhões de euros, decerto estará a lamentar não poder proceder como em Abrantes, é absurdo andar a criticar o holandês, porque afinal o homem limitou-se a dizer alto aquilo que outros pensam baixinho. Até em Portugal e até em Tomar.
Com políticos assim, Tomar ainda terá remédio? E Portugal? Irá pelo caminho da Grécia, em risco de ser forçada pelos parceiros a abandonar o euro? Ou pensam que a futura Europa a duas velocidades é simples fruto do acaso? Não é a por ela ansiada UEM (União Económica e Monetária) que o vai salvar ou nos vai salvar. Aqueles europeus que, embora sendo cristãos, não compartilham da ideologia católica, há muito tempo que constaram uma evidência: há mesmo uma fractura entre a dominante mentalidade protestante dos povos do norte, que pagam mais para a União Europeia do que dela recebem, e a maioritária mentalidade católica e ortodoxa grega das gentes do sul, que recebem de Bruxelas muito mais do que aquilo que pagam. E, protestante ou católico, ninguém gosta de ser "andante".
Esclarecimento lucido e clarividente.
ResponderEliminarAcabe a hipocrisia. Ou a ignorancia.
Há muito tempo que eu disse isso, a diferença entre os protestantes e os católicos, é que os protestantes acreditam neles, na família, na comunidade, os católicos acreditam em Deus que resolve tudo, dai os PIGS, como dizem os Brasileiros Flamengo perdeu mas Deus é grande.
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