Quem me lê, sem antolhos ideológicos ou de inveja, já terá concluído que falo do que sei e sei do que falo. Pode não ser bem acolhido por todos, mas é um facto. Uma das áreas em que me sinto mais à vontade é o turismo, porque creio compreender nele tanto a vertente teórica como a prática. Para quem não me conheça, trabalhei durante muitos anos nessa área, cuja teoria depois aprofundei na Universidade de Paris VIII, até ao doutoramento.
Tendo topado no Expresso uma peça sobre a Bolsa de turismo de Lisboa, que pode ser lida clicando aqui, fiquei de pé atrás perante o título: "Governo quer duplicar as receitas do turismo em dez anos". São palavras do senhor ministro da economia, que naturalmente se absteve de explicar como pensa conseguir tal proeza. Mero blábláblá de circunstância. Provavelmente entusiasmado com o considerável e inesperado incremento turístico em 2016, esqueceu-se que isso se deveu exclusivamente a causas externas, e não a quaisquer acções promocionais no exterior, que de resto o governo não tem meios para financiar, nem recursos humanos para antes formular.
Outras maravilhas anunciadas pelo ilustre governante: "Estimular a procura turística no país e nas várias regiões, aumentando o número de dormidas dos 53,5 milhões em 2016, para 80 milhões em 2027." É verdade. Leu bem. Passar de 53 para 80 milhões de dormidas turísticas, em dez anos. Como? O segredo é a alma do negócio, pois claro.
E o blábláblá, a verborreia inconsequente, típica dos povos meridionais, não se ficou por aqui. Ao que também foi dito, "o foco está em alargar a actividade turística a todo o ano, propondo-se chegar a 2027 com o índice de sazonalidade mais baixo de sempre". Antes de mais seria conveniente apurar se o ilustre governante sabe mesmo do que fala quando usa a expressão "índice de sazonalidade". Para os profissionais do sector é uma irritante questão prática: há demasiados clientes durante a estação alta (verão) e falta deles durante a estação baixa (inverno). Uma vez que, nos outros países com clima semelhante ao nosso, ninguém logrou ainda ultrapassar esse grave inconveniente, seria bom conhecer a milagrosa solução portuguesa, contida num documento classificado pelo governante como "Um plano que se propõe liderar o turismo do futuro." Presunção e água benta...
Praça de S. Marcos - Veneza
Mas os dislates oficiais em matéria de turismo não se ficaram por aqui. Numa altura em que os habitantes de Barcelona, de Veneza, da costa sul de Espanha, das Baleares, das Canários, e até já de Lisboa e do Porto (embora em menor escala), ou mesmo o governo da Islândia, protestam contra o excesso de turistas e os excessos dos turistas, o citado plano maravilhoso, porque apenas teórico, de acordo com as sábias palavras ministeriais visa "A valorização das regiões e do território, assegurando que o turismo gera um impacto positivo nas populações residentes." Juro que está mesmo escrito na citada peça. É só ir lá confirmar. Falta é o essencial: Como é que isso se vai conseguir?
Na mesma linha exaltante, dois outros responsáveis foram igualmente brilhantes. Apenas se lastima que não tenham passado do blábláblá. É só conferir:
1 - A senhora secretária de Estado do turismo revelou vocação para contar histórias maravilhosas, por isso mesmo sem qualquer ligação à realidade prática. Segundo disse, "Esta é uma estratégia desenhada por todos, que se quer dinâmica, viva, transversal, atenta ao mercado e às suas tendências. Com ela, todos faremos de Portugal um país mais coeso, que se diferencia pelos seus recursos que não são deslocalizáveis e onde todos gostamos de viver e somos valorizados." Pois.
2 - Num ambiente assim tão extraordinariamente optimista, está-se mesmo a ver que ninguém quis ficar para trás. O senhor presidente do Turismo de Portugal, que pela amostra deve ter frequentado algum curso intensivo ministrado por discípulos do senhor de Lapalisse, foi lapidar. Declarou que "a actividade turística se deve estender de norte a sul do país e do litoral ao interior, e não se limitar aos destinos tradicionais", sem contudo referir quais, para não ofender ninguém. Já o referido senhor de Lapalisse dizia amiúde que se deve "começar pelo princípio, continuar pelo meio e acabar no fim". Mas isso foi há séculos.
Releio tudo isto e fico muito preocupado. Se a nível nacional esta situação até seria cómica, se não fosse trágica a médio-longo prazo, agora imagine-se o que será a nível local. Porque Tomar tem todas as condições, a começar pelos recursos monumentais e naturais, para vir a ser um grande centro turístico. Um dos principais do país. Para que tal aconteça é preciso afinal pouca coisa. Apenas que finalmente os políticos que nos pastoreiam tomem boas doses de humildade, para depois ousar e conseguir passar do blábláblá ao trabalho sério. Do dizer ao fazer. Mas isso até agora tem sido pedir demais.
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