Chegou-me hoje uma mensagem pessoal do administrador do blogue Tomar na rede, José Gaio, a qual responde implicitamente à nota final desta crónica. Tratando-se de um esclarecimento privado, que agradeço, é normal que o não divulgue tal e qual. Limito-me portanto a focar os seus pontos principais, por considerar que os leitores têm sempre o direito de saber.
1 - O texto em causa nada refere quanto à autoria da peça criticada, pelo que admite, de forma implícita, poder ser um clérigo católico do concelho, sob anonimato. A apoiar esta dedução aparece até o plural "Acreditamos vivamente...", que engloba sem margem para dúvidas o administrador de Tomar na rede e o autor do execrável panfleto.
2 - É dito de forma clara no esclarecimento que "não se pretende colocar em causa a laicidade do Estado, nem a liberdade religiosa seja de quem for."
3 - Noutro ponto do documento, apoia-se a acção da autarquia, visando "relevar a importância da cultura judaica como parte integrante da história de Tomar".
4 - Salienta-se depois o facto de "ser esperado que uma autarquia tenha uma prática ecuménica, inclusiva e plural."
5 - A argumentação fulcral do esclarecimento aparece nesta frase: "O artigo A Câmara Municipal de Tomar e a Igreja pretende apenas criticar a opção da autarquia em quebrar uma velha tradição que consistia em incluir a hierarquia da igreja católica nas comemorações do Dia de Tomar."
Perante isto, cada leitor retirará as suas conclusões. Pela minha parte, conquanto triste e insatisfeito, porque não convencido, já informei o meu amigo José Gaio que pode continuar a dormir descansado. Tendo obtido este esclarecimento, que julgo ser o possível no peculiar contexto tomarense, renuncio a qualquer acção junto do poder judicial.
Quanto ao facto de a autarquia ter resolvido quebrar uma velha tradição, reputo útil elencar outras velhas tradições que felizmente acabaram, não me tendo deixado saudades: A pena de morte, que durou séculos; as fogueiras de santa inquisição, que em Portugal assaram cristãos ditos heréticos durante três séculos; a escravatura, que tantos enriqueceu durante centenas de anos; o regime salazarista de partido único, que durou 48 longos anos, e assim sucessivamente. Resta recordar Camões e o seu conhecido "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Todo o mundo é feito de mudança, tomando sempre novas qualidades"...
De forma inesperada para os leitores habituais, termino com esta citação, que explica muita coisa. Por exemplo o facto de o seu autor ter tido problemas sérios com a Santa Inquisição:
"Miseráveis de nós, e miseráveis dos nossos tempos! Pois neles se veio a cumprir a profecia de S. Paulo. Virá tempo, diz S. Paulo, «em que os homens não sofrerão a doutrina sã. Mas para seu apetite terão grande número de pregadores feitos a montão e sem escolha, os quais não farão mais que adular-lhes as orelhas. Fecharão os ouvidos à verdade, e abri-los-ão às fábulas».
Fábula tem duas significações: quer dizer fingimento e quer dizer comédia; e tudo são muitas pregações deste tempo. São fingimento, porque são sutilezas e pensamentos aéreos, sem fundamento de verdade; são comédia, porque os ouvintes vêm à pregação como à comédia; e há pregadores que vêm ao púlpito como comediantes. Uma das felicidades que se contava entre as do tempo presente era acabarem-se as comédias em Portugal; mas não foi assim. Não se acabaram, mudaram-se; passaram-se do teatro ao púlpito. Não cuideis que encareço em chamar comédias a muitas pregações das que hoje se usam. Tomara ter aqui as comédias de Plauto, de Terêncio, de Séneca, e veríeis se não acháveis nelas muitos desenganos da vida e vaidade do Mundo, muitos pontos de doutrina moral, muito mais verdadeiros, e muito mais sólidos, do que hoje se ouvem nos púlpitos. Grande miséria por certo, que se achem maiores documentos para a vida nos versos de um poeta profano, e gentio, que nas pregações de um orador cristão, e muitas vezes, sobre cristão, religioso.
Padre António Vieira, Sermão da Sexagésima, 1655 (Trecho expurgado das citações em latim)
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