O senhor presidente da República já o disse bem melhor do que eu: António Costa é irritantemente optimista. Donde resulta que, pouco a pouco, todos os eleitos pró-governo andam também a alardear optimismo. Uma das facetas dessa atitude é o ar de satisfação face ao extraordinário incremento do turismo estrangeiro em Portugal. Como se fosse obra do governo e das autarquias. Colocam-se assim numa situação semelhante à dos feiticeiros africanos, que fazem umas cerimónias pedindo que chova, ficando depois muito contentes quando acontece chover, convencidos de que, sem os seus pedidos, não teria vindo a chuva.
Para melhor entendimento deste assunto, parece-me adequado exemplificar. Vamos ao caso da Islândia, um país com apenas metade da população portuguesa e clima bastante mais agreste. É claro para mim que os leitores de Tomar a dianteira são competentes em geografia. Sabem por conseguinte onde fica a Islândia. Entendo porém que mostrar o mapa respectivo só pode ajudar eventuais falhas de memória:
Aqui temos o mapa da Googlemaps, no qual a Islândia é aquela ilha lá em cima, entre a Noruega, à direita, e a Groenlândia à esquerda. Um pais pequeno e pouco povoado, com clima difícil e longe de tudo, no grande círculo polar ártico. É desse país que nos fala esta reportagem de Olivier Joly, publicada no Le Monde - Época, de 04/06/2017, a qual permite comparar com aquilo que está ocorrendo em Portugal e daí extrair as devidas conclusões.
O Texto é longo, mas julgo que vale bem o esforço de leitura. Ajuda a entender as coisas.
VIAGEM
O PICO DE VIK
"É uma aldeia aninhada na base de colinas verdejantes, rodeada de falésias sobrevoadas por aves marinhas. Tem dez ruas, casas coloridas e uma igreja pequena, branca, situada num promontório, com vista mergulhante para o oceano. Para lá da língua de areia negra, as silhuetas de estranhos pilares de basalto surgem recortadas no horizonte. São esses pilares que dão fama à povoação, cuja praia é com frequência classificada entre as mais belas do Mundo. Do lado oposto vê-se o glaciar Myrdalsjökull, quase ao alcance da mão, quando o tempo não está encoberto. Bem-vindos à Islândia e a Vik, 572 habitantes, 1,2 milhões de turistas estrangeiros em 2017.
À saída da aldeia, ao longo da estrada circular que dá a volta à ilha em 1339 quilómetros, três autocarros largam passageiros, vestidos à inverno mas sorridentes, à porta da loja de recordações. Em frente da estação de serviço assiste-se a um bailado incessante de veículos. Em Março, passaram por aqui mais de três mil por dia, em média. Há apenas cinco anos o turista estrangeiro ainda era apenas uma espécie essencialmente estival. Situada a 186 quilómetros de Reykjavik, a capital, Vik era então a etapa ideal na estrada do sul e das suas maravilhas naturais: praias, cascatas, glaciares, icebergues. Mas entre Outubro e Junho, com o céu frequentemente encoberto, a aldeia hibernava.
É um passado que não volta. No posto de turismo local, Beata Rutkowska prepara uma nova planta da aldeia. Muitos endereços têm de ser alterados. "Aqui vão abrir dois alojamentos locais. Ali vamos instalar um teleférico. O homem que aluga cavalos mudou-se para instalações mais amplas. Aqui é um novo restaurante. E há agora dois guias que oferecem passeios sobre o glaciar." A loja, que já é grande, vai ser ampliada. Há dois hotéis que vão também aumentar o número de quartos. Outro vai ser inaugurado em 2018. Vik e arredores dispõem agora de 1.800 camas. Mas é inútil procurar quarto para a estação alta. Já não há vagas num raio de 50 quilómetros. Com um preço mínimo de 400 euros por noite, para uma família de 4 pessoas.
A aldeia enfrenta a vaga turística que atingiu a Islândia inteira. A ilha acolheu apenas 400 mil visitantes estrangeiros em 2006. Registou 1,7 milhões o ano passado e prevêem-se 2,3 milhões este ano. Pelo menos metade destes viajantes vão passar por Vik, que conta com várias atracções: a praia de Reynisfjara, os glaciares Solheimajökull e Myrdalsjökull, o cabo Dyrholacy...E até a carcaça de um avião americano que se despenhou na areia negra em 1973. Cansados de ver tantos automóveis atravessarem a sua propriedade para irem ver os destroços do DC3, os proprietários do terreno fecharam o respectivo acesso. Doravante, quem quiser fotografar o que resta do avião terá de caminhar durante cerca de uma hora.
No município de Vik o turismo é agora um dos grandes temas, tendo mesmo ultrapassado a agricultura. Asgeir Magnusson foi o primeiro presidente de câmara a tomar um medida drástica: Proibiu que os senhorios possam propor nos sites especializados o aluguer do prédio todo, com preços inflacionados, para não estrangular o mercado locativo, que é muito reduzido. Höfn, um outro município do sul, já seguiu o exemplo. Reykjavik pode vir a seguir. "É impossível alugar uma casa em Vik. Quando alguma fica vaga, os hotéis chegam sempre primeiro, para alojarem os empregados", explica-nos o presidente da câmara. Que entretanto agiu de modo a que todos os novos hotéis estejam situados à saída da aldeia.
Para a generalidade da população, o turismo é um verdadeiro maná. Os mais sortudos foram os que venderam os terrenos aos hoteleiros. Muitos agricultores recuperaram velhas construções, que transformaram em unidades de alojamento local. Há jovens que oferecem serviços de guia e várias actividades de recreio (caminhadas, passeios a cavalo, travessia de glaciares, motoneve...). Para alguns, a vida mudou completamente. Halla Olafsdottir era professora do ensino primário. Agora dirige um restaurante. Com mais quatro proprietários rurais dos arredores abriu o Black Beach Restaurant, na praia de Reynisfjara. A ideia inicial era fazer sanitários pagos para os turistas, mas depois começou-se a pensar em algo mais, disse-nos, apontando com orgulho para o pavimento e para as paredes, tudo em matéria vulcânica, enquanto se sentava um pouco, após a hora de ponta do almoço. Em 2015 o restaurante tinha só 4 empregados, agora já tem 14. (continua)
População da Islândia
ResponderEliminar- Estimativa para 2012: 319 575 hab.
- Densidade: 3,1 hab./km²