terça-feira, 13 de junho de 2017

O método Macron e o resto

Mostra a estatística do Google que a crónica sobre a esmagadora vitória de Macron nas legislativas francesas foi a menos lida de ontem. Compreende-se. A extraordinária enxurrada de deputados macronistas caiu mal em todas as outras formações políticas, excepto no aliado MODEM, porque sofreram derrotas vergonhosas. Mais do que isso, já perceberam que os mais de 50% de abstencionistas são seus eleitores habituais, desta vez desiludidos ante tanta falta de clareza. Com efeito, em França não é habitual fazer campanha em festas. nem durante comezainas febras/feijoada/frango assado. Tão pouco se organizam caravanas automóveis. Lá para aquelas bandas, pratica-se política pura e dura, com comícios em que participam milhares de eleitores.
Forçados portanto a explicar ao que vão, só os candidatos LREM, a nóvel formação de Macron, escolhidos mediante anúncios e prévia análise curricular, bem como os do MODEM, souberam explicar ao eleitorado o seu programa, que é o mesmo do presidente da República: Reforçar a União europeia, liberalizar o mercado de trabalho, desparazitar o aparelho de Estado, reduzira função pública, acabar com a corrupção, unir os franceses rumo a um futuro melhor para todos. Tão simples quanto isto, que no entanto convenceu os eleitores. A tal ponto que até os ministros-candidatos aceitaram praticamente sem discussão a decisão de Macron: Ou vencem ou deixam de ser ministros.


A paisagem francesa que não agrada mesmo nada às luminárias políticas nabantinas. De cima para baixo, a assembleia nacional  em 2007, em 2012 e a previsão para 2017, tendo em conta o resultado da primeira volta.

Para que não restem dúvidas, sobretudo no espírito de alguns esquerdalhos e esquerdistas de serviço, uma análise fina do escrutínio de domingo passado  mostra-nos milhares de cadáveres de candidatos vencidos. De políticos que nem sequer conseguiram qualificar-se para a segunda volta. Pois bem, dos mais de 6 mil candidatos iniciais, 522 são do partido de Macron. E desses, apenas 19 não conseguiram ser eleitos ou passar à segunda volta. Imagine-se a amplitude do desastre para todos os outros partidos.
Revelando que não entendeu de todo a mensagem dos franceses, o tenor Mélenchon apressou-se a afiançar que a abstenção superior a 50% mostra que não existe em França uma maioria para alterar as leis laborais. Apesar de os macronistas virem a dispor, segundo tudo indica, de uma maioria de dois terços na Assembleia nacional. Não há pior cego que aquele que não quer ver.
A juntar a essa enorme desilusão que, por razões semelhantes, mais tarde ou mais cedo chegará a este país à beira-mar plantado, numa pequena cidade do interior centro, um analista amador, detestado por grande parte dos seus leitores, teve o desplante de prever o resultado das legislativas gaulesas com um mês de antecedência. E de acertar! Por puro acaso, garantirão as habituais sumidades locais, especialistas em ideias gerais. Que estarão mais uma vez enganados, pois o mesmo analista amador também previu, algumas semanas antes e contra a corrente dominante, a vitória folgada de Macron.
Temos assim, uma vez mais, a clássica obstinação tomarense. A realidade incomoda, logo não pode ser a realidade. Por isso estamos tão bem, ao cabo de mais de quatro décadas de democracia. Com luminárias assim, não é de admirar.

ADENDA

Henrique Monteiro, Macron, afinal há mais Mundo, Expresso online, 13/06/2017

2 comentários:

  1. Na minha opinião, os franceses que votaram Macron não o fizeram pelo seu programa. Votaram especialmente para preservar a democracia perante forte ameaça da tirania, e, diga-se a verdade, o descrédito em que caíram os partidos tradicionais de esquerda e de direita. Sinceramente, não era preciso ir a Coimbra, nem a nenhuma universidade francesa, para prever a sua vitória. No contexto em que se disputaram estas eleições, se fosse francês, também votaria nele.

    Para os paladinos da abstenção como forma de protesto: a democracia nunca está totalmente conseguida. Ela está em perpétua construção ou destruição segundo as forças em presença. Mas uma coisa é certa! A abstenção contribui para a sua destruição. O abstencionista é, objetivamente, um coveiro da democracia.

    Sobre o chavão (demagógico) "reduzir a função pública".
    Sejamos realistas. Se o setor privado não oferece postos de trabalho suficientes (a tendência é para eliminar cada vez mais na 4ª. revolução industrial em curso), cabe ao Estado encontrar soluções para as pessoas, seja pela sua admissão na AP, seja através de novas propostas em discussão a nível internacional, como um rendimento básico universal, o chamado "Euro-dividendo" ou a chamada "Economia Humana".

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    1. Pois é exactamente isso que me espantou e continua a espantar. Se era óbvio que o Macron ia vencer e depois conseguir uma maioria esmagadora, como é que grande parte dos analistas locais e nacionais se calou ou se enganou?
      Onde é que o credenciado jornalista Daniel Oliveira, por exemplo, quer chegar, ao escrever que a Europa de Merkel e Macron nunca poderá ser boa para nós, povos do sul? Que modelo de Europa é o dele?
      O rendimento universal é uma hipótese já em experimentação na Finlândia, que contudo me não parece muito adequado para os países que integram o chamado pejorativamente Clube Mediterrâneo. Mas há que tentar, mesmo assim, pois resultará muito mais barato para os contribuintes do que a actual função pública excedentária, com promoções automáticas, 35 horas semanais e acentuada tendência para o deixa estar que está assim muito bem.

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