segunda-feira, 7 de agosto de 2023

O Parque Eduardo VII e o Marquês de Pombal durante a JMJ.

Tabuleiros -  Polémica

Nem aversão nem embirração


Tentando pôr-me a pensar como um tomarense da classe média baixa, dei comigo a cismar que após leitura da crónica "Coerência nunca fez mal a ninguém", de 5 de Agosto, alguns leitores terão ficado com a ideia de ser um caso evidente de aversão e de embirração entre conterrâneos de ideários diferentes. Pois não senhor. De todo. O  que me levou a confrontar o estimado tomarense Alfredo José, foi o que está no título: coerência. No caso, óbvia falta dela.
A bem dizer, eu já estava de atalaia, desde que em tempos uma senhora contestou um escrito meu, no qual comparava Paris com Tomar, porque era uma heresia segundo ela, uma vez que não se pode comparar uma coisa com a outra. Fiquei estarrecido, como se calcula, ao constatar que para os tomarenses é impossível comparar coisas comparáveis, logo que sejam muito afastadas em termos de escala. Noutros termos, que impede a comparação entre Tomar e a capital francesa, se tivermos em conta que Paris tem milhões de habitantes e Tomar nem aos 50 mil chega?
Apesar da enorme diferença de tamanho, ambas as cidades têm milhares de pontos comuns. Ruas, avenidas e praças, por exemplo. Ou saneamento e trânsito. Obviamente ninguém de bom senso se vai pôr a comparar a pontualidade do metropolitano que há nas margens do Sena, com a do metro que não há nas margens do Nabão.
Todavia, pelo que consigo entender, para alguns tomarenses que se manifestam nas redes sociais, não se podem comparar coisas muito diferentes no tamanho ou no aspecto geral. Como fez o estimado conterrâneo Alfredo José, considerando que os tabuleiros e a JMJ não são comparáveis, para depois louvar o evento tomarense e condenar o lisboeta. Sendo para ele coisas não comparáveis, considera que a despesa camarária com os tabuleiros está certa, mas os gastos públicos com as JMJ estão errados. Creio que não terá sido intencional, mas a verdade é que caiu nesse logro de considerar de facto como diferentes, duas manifestações semelhantes nas suas grandes linhas. Tanto os tabuleiros como as JMJ são eventos organizados sobretudo para juntar dezenas ou centenas de milhares de pessoas, com o objectivo anunciado de promover as localidades onde têm lugar. Não é assim?
Por conseguinte, se é esbanjamento de recursos públicos, gastar milhões com a vinda do Papa, também é dinheiro mal gasto quando uma autarquia pobre, com um orçamento de pouco mais de 40 milhões de euros, decide gastar mais de um milhão com uma festa de promoção. Ou não ?
Com uma agravante. Enquanto as concentrações no Parque Eduardo VII, no Parque Tejo e em Fátima, tendo como atracção a presença do Papa,  não podiam ser rentabilizadas monetariamente, sob pena de o público não afluir, como de resto aconteceu em Fátima, onde segundo as entidades oficiais, eram esperadas 500 mil pessoas e estiveram menos de metade, em Tomar os tabuleiros só não dão lucro substancial devido a uma organização em certos aspectos caduca, porque completamente desfasada dos tempos que correm. Intencionalmente? Creio que não. 
É meu entendimento que os tomarenses, incluindo os eleitos, são apenas vitimas  de uma educação deficiente, ou da falta dela. Pense um bocadinho comigo. Sabe certamente que Nini Ferreira, um dos profetas locais com grande aceitação, escreveu a dada altura algo assim: "Os visitantes gostam da festa dos tabuleiros. Mas os tomarenses vêem-na com outros olhos." Eis o âmago da questão. O Nini viu bem. Educados de certa maneira, os tomarenses vêm a sua Festa grande como algo de sagrado, intocável e inalterável, devido à sua própria natureza. Um caso de evidente idolatria, que conduz depois aos piores excessos de toda a ordem. Como por exemplo a essa ideia peregrina de obrigar toda a gente, excepto os espectadores, (por manifesta impossiblidade prática), a trajarem de determinada maneira. Como se o cortejo fosse uma missa com todo o seu clero, incluindo os jornalistas. 
Ou a imediata excomunhão de quem ouse criticar, com a terrível frase falsa "O gajo sempre foi contra a festa", que nunca é transmitida ao visado. Tal como nos processos da Santa Inquisição, em que as vítimas nunca sabiam com precisão de que eram acusadas, o que impedia qualquer defesa eficaz. Estavam condenadas de antemão, como acaba de acontecer com o opositor russo Navalny.
Ligados à pretensa sacralidade da festa, há depois outros factores locais, que vão do receio de errar, à necessidade de enganar os eleitores. Decretou-se que a festa não pode ser anual, apesar de ser das colheitas, embora nunca se tenha tentado. Determinou-se que tem de ser tudo à borla, porque com entradas pagas ficava-se a saber quantos pagaram, e já não se podiam aldrabar depois os eleitores locais, anunciando totais mirobolantes. Como o milhão e meio de visitantes, avançado logo no início, quando afinal nem 300 mil cá estiveram, durante toda a festa.
É claro que os tradicionalistas tacanhos vão continuar a insistir na imutabilidade da festa, porque sendo algo de sagrado, é intocável e indiscutível. Uma questão de fé. Até que a dada altura, dentro de 20-30 anos, se tanto, os tabuleiros morrem, como já aconteceu no passado, antes de 1950, porque o orçamento camarário será insuficiente para financiar a Festa grande com desfile e concertos à borla. Basta pensar que há quatro anos, em 2019, a câmara avançou com pouco mais de 600 mil euros. Este ano já ultrapassou o milhão. Por este caminho, nem é preciso ser muito bom a fazer contas ou a prever o futuro. Basta que acabem as esmolas de Bruxelas.

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