sexta-feira, 2 de março de 2018

Os discursos e a realidade

Os tomarenses mais metidos na política local, que são infelizmente poucos, sabem bem que os senhores autarcas no poder usam a dupla linguagem. Nos seus discursos dizem uma coisa, mas na realidade quotidiana fazem outra muito diferente. Garantem por exemplo que o turismo está em pleno desenvolvimento, graças à acção do Município, quando afinal, vai-se a ver, falta estacionamento, falta sinalização, falta informação qualificada, faltam instalações sanitários, falta uma ligação rápida e não poluente ao Convento... Falta até boa vontade e bom senso, como acaba de revelar o lamentável episódio dos turistas italianos, multados quando descarregavam as malas, porque a PSP recebeu da autarquia instruções pouco claras.
Não se pense contudo que só o executivo autárquico tem culpas no cartório na área do acolhimento turístico. A outra entidade local com grandes responsabilidades nesse sector também não tem vindo a agir da melhor maneira. A doença é geral. Vamos a factos.
As três imagens seguintes mostram sucessivamente a fortaleza de El Jadida, em Marrocos, a sinalização da Cisterna portuguesa, situada no interior da fortaleza e um aspecto da dita cisterna. Património da humanidade, a notável obra de engenharia, da autoria de João de Castilho, data da primeira metade do século XVI, está devidamente preservada, tem iluminação adequada e é acessível aos visitantes, mediante o pagamento de 10 dirames, o que equivale a cerca de 1 euro.
Aqui chegado, o leitor já estará a pensar -Mas o que é que eu tenho a ver com isso?! Sei lá onde é El Jadida! Tem razão, mas faça o favor de continuar a leitura.

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El Jadida é a antiga praça forte de Mazagão, que foi portuguesa até ao século XVIII, altura em que o rei resolveu mandar evacuar o recinto, indo a maior parte dos retornados de então fixar-se no Brasil, em Nova Mazagão, edificada para esse efeito, a uma centena de quilómetros de Macapá, a norte do delta do Amazonas.
Sucede que a cisterna portuguesa de Mazagão, que é a principal atracção da fortaleza e da cidade, tem uma irmã mais velha em Tomar, conforme pode ver na imagem seguinte, de 1958:

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Essa cisterna irmã, com as mesmas dimensões e da autoria do mesmo arquitecto João de Castilho, está por baixo do claustro da Micha, no Convento de Cristo. A imagem seguinte mostra o dito claustro e, do lado direito, o acesso à cisterna. São visíveis igualmente no lajedo, cobertos com tampas de pedra circulares, os pontos de recolha da água da chuva:

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Havendo acesso, quem teve a paciência de chegar até aqui pensará que se pode visitar. Desengane-se. A cisterna tem bastante água, que não serve para nada, uma vez que o Convento está ligado à rede dos SMAS, pelo que a respectiva entrada está proibida. Não é caso único. Acontece o mesmo com a Sala dos Cavaleiros, no ex-Hospital militar, as "Necessárias" do claustro do mesmo nome, o Tribunal e a prisão da Inquisição, ou ainda a Alcáçova e a Torre de menagem do castelo (às escuras há mais de dois anos).
Quem manda dirá que tem de ser assim porque não há verbas disponíveis, porque há falta de pessoal, porque não há ordens de cima, porque não há planos. Mas há verbas e ordens de cima e pessoal para feirinhas, colóquios, seminários, exposições e afins, tudo actividades com entradas à borla, para criar imagem, que pouco têm a ver com o Convento e que apenas perturbam a normal fruição dos visitantes que pagam as suas entradas.
Sem pretender beliscar quem quer que seja, Tomar a dianteira permite-se avançar a seguinte constatação: El Jadida, a ex-Mazagão, que não é propriamente uma cidade moderna, nem europeia, nem um grande destino turistico, cuida da sua cisterna portuguesa, facilitando a respectiva visita. Tomar, que é uma cidade moderna, europeia e um grande destino turístico, (ou pelo menos tem-se nessa conta), tem a cisterna irmã da de El Jadida mal cuidada e fechada, o mesmo acontecendo com outro importante património construído.  Porque será?  Até quando? É assim que se pretende incrementar o turismo?
Que bem prega Frei Tomás! Oiçam o que ele diz. Não olhem para o que ele faz.

Adenda

A direcção do Convento de Cristo sabe muito bem que a cisterna existe e é importante. Até a descreve, neste documento com erros históricos e num português pouco feliz:
http://www.conventocristo.gov.pt/data/Documentos/Newsletter/Nl%20CC%20Fevereiro%202016.pdf

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