O anterior texto A brincar ao turismo terá incomodado mais de um leitor. É natural. A verdade nua e crua geralmente desagrada. Ainda para mais, fala-se da nossa juventude -que é o melhor que temos- e dos seus mestres, num microcosmo que não aceita a crítica. Em Tomar, como é sabido por quem queira pensar um bocadinho, apesar das evidências em sentido oposto, qualquer realização é sempre um sucesso estrondoso. O mesmo acontece de resto com os eleitos, que são todos de primeira água e conseguem coisas extraordinárias. É por isso que a cidade está cada vez melhor, com a população aumentando a um ritmo preocupante, como todos notamos. Por este caminho, não tarda muito não vamos caber cá todos.
No caso da acção de Turismo cultural, protagonizada por alunos do ensino secundário, incentivados por alguns dos seus professores, supõe-se que os argumentos a favor sejam essencialmente os seguintes:
1 - Os alunos foram preparados e sempre tutelados por professores, evitando assim qualquer incidente;
2 - Correu tudo muito bem;
3 - Alunos e turistas gostaram muito.
Usando unicamente declarações dos próprios actores, publicadas nas páginas 5 e 6 da edição de 2 de Março do semanário Cidade de Tomar, passa-se a demonstrar que a realidade foi bem diferente, havendo até um aspecto a exigir inquérito mais aprofundado, por haver indícios de falta de zelo e de uso abusivo de trabalho infantil não remunerado, por parte de um funcionário público graduado, no âmbito das suas obrigações profissionais.
Sobre o primeiro ponto, a indispensável tutela docente, tratando-se de alunos numa actividade para-escolar, a professora Ana Célia Costa é bem clara: -[Os alunos] "foram quase totalmente independentes. Houve no início necessidade de fazer uma escala, mas depois, até na nossa ausência em período de férias, se organizaram entre eles."
O professor Eduardo Mendes, líder do projecto, confirma as declarações da colega: "Depois da formação inicial e feita a escala, os alunos foram perfeitamente auto-suficientes."
Pode-se pois dizer, sem ponta de exagero, que os alunos foram assim uma espécie de tropa ou de grupo de trabalho sem comando presencial. Em termos simples, foram autónomos forçados, à falta de outra solução. O resto fica à imaginação de quem leia.
Convenhamos que, em termos de organização, há bem melhor. E acrescentemos que ter alunos adolescentes e não remunerados a trabalhar durante sete horas seguidas, não é uma prática aceitável em nenhum local de um país ocidental. Salvo em Tomar, claro.
Alunos e turistas gostaram muito? É o que falta demonstrar cabalmente. No estado actual do assunto, temos apenas a auto-avaliação dos alunos e as apreciações dos professores implicados. Desconhecemos por completo as opiniões da outra parte, dos turistas atendidos e/ou acompanhados, afinal as mais importantes. Isto porque os organizadores se esqueceram de elaborar questionários a distribuir posteriormente aos visitantes, prática corrente na área do turismo. (Ver por exemplo, na net, TripAdviser, Booking.com, Trivago, Airbnb... tudo tem comentários escritos dos clientes).
Mesmo os alunos, que agora se declaram muito satisfeitos, nem sempre tiveram essa opinião. A já citada aluna Helena Nunes é bem explícita, para quem saiba ler nas linhas e nas entrelinhas: "Há uma experiência que eu e o Diogo vivenciámos, não neste verão, mas no de 2016, em que nos foi solicitado pela Técnica do Convento para fazermos visitas guiadas a grupos de idosos que vinham de Salvaterra de Magos, e foi um bocado complicado porque as visitas eram sempre de manhã e tínhamos que ir para lá cedo. Não havia maneira de os cativarmos porque eram idosos e tinham dificuldades de mobilidade. Nós explicávamos tudo resumidamente e andávamos devagar, mas as visitas acabavam por ser aborrecidas."
Vários pontos merecem destaque nesta elucidativa declaração de uma aluna que participou no projecto. A abrir, como se impõe por se tratar da língua materna, sem a qual pouco é possível, convém assinalar que o fraseado da Helena, ainda que formalmente correcto, não parece ser o mais adequado para guiar turistas. Aceita-se por ser uma aluna, mas será indispensável assinalar-lhe o facto, para que se possa corrigir.
Vem depois a noção de tempo, que é muito característica. Diz a aluna que "as visitas eram sempre de manhã e tínhamos que ir para lá cedo." O Convento abre às nove da manhã...
Finalmente o tutano da questão. Primeiro um facto vergonhoso, que seria um escândalo se não estivéssemos em Tomar. O Convento de Cristo tem 36 funcionários permanentes, entre os quais alguns quadros superiores, que recebem mais de 2 mil euros mensais cada um. Segundo relata a aluna, em 2016 um desses técnicos superiores disse-lhes para fazerem visitas guiadas com grupos de idosos que vinham de manhã. Ou seja, um funcionário fugiu deliberadamente às suas obrigações profissionais, entregando tarefas que lhe estão normalmente confiadas a adolescentes ingénuos em férias, sem qualquer remuneração. De acordo com as normas da OIT - Organização Internacional do Trabalho, chama-se a isso exploração de trabalho infantil sem remuneração. Um escândalo e dos grandes. Mas como estamos em Tomar, onde tudo é sempre um estrondoso sucesso, e como ninguém se queixou até à data...
A rematar, o outro óbice fundamental. O que a aluna descreve, mais não é afinal que o bem conhecido fosso entre os idosos que já não têm paciência nenhuma para aturar cachopos, e os jovens que, por falta de treino adequado, ainda não sabem lidar com velhos. É óbvio, mas em Tomar ninguém parece notar, pelo que o técnico conventual nem se lembrou de tal coisa. Queria era safar-se... e conseguiu. Foi decerto mais um estrondoso êxito tomarense, que deixa marcas.
Os críticos malévolos, esses malandros, é que andam sempre a procurar complicar tudo. É a vida...
Os críticos malévolos, esses malandros, é que andam sempre a procurar complicar tudo. É a vida...
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