Lista do património imaterial da UNESCO
Candidatura dos tabuleiros
atascada no lodo da cultura em saldo
Quando escrevi a crónica anterior, sobre a reunião no Paraguay do Comité intergovernamental para a salvaguarda do património imaterial, o organismo UNESCO a quem cabe inscrever as candidaturas na respectiva lista, não tencionava voltar a abordar o assunto. Embora muito querido dos tomarenses, o tema tabuleiros é demasiado árduo para o comum dos mortais. Só os entusiastas é que conseguem coragem para ler os longos textos alusivos, quando os há, que os autores são ainda mais raros.
O surpreendente leitorado da crónica anterior, até agora mais de 530 visualizações em 24 horas, força-me a mudar de opinião, porque esses leitores ocasionais também merecem respeito. Vamos então a isso, mas previno desde já que não vai ser uma leitura fácil nem agradável, pois as coisas são o que são.
A candidatura dos tabuleiros a património imaterial da UNESCO já sofreu atrasos consideráveis na etapa nacional. É natural. Tratou-se de um processo mal iniciado e mal elaborado. Uma coisa assim tipo desenrasca, "vamos lá, que depois logo se vê!", com origem numa senhora extremamente simpática, porém algo limitada em termos de arcaboiço cultural. por exemplo.
O problema começa logo no próprio objecto da candidatura, anunciada como "Festa dos tabuleiros a património imaterial da UNESCO", quando afinal tal não é de todo possível. Tratando-se de candidatura a património imaterial, o respectivo comité para a salvaguarda não vai inscrever os tabuleiros, nem o cortejo, nem a distribuição da peza, nem as ruas populares ornamentadas, que são manifestações de património material. Como o Convento ou o Castelo, só que transitórias.
O que pode vir a ser inscrito na lista de salvaguarda do património imaterial é a "arte de conceber e armar tabuleiros", ou a "arte de elaborar flores de papel e outra decoração para os tabuleiros". Tudo isto já foi exposto ao autor e aos promotores da candidatura, de acordo com as informações que nos chegaram, até agora sem resultados práticos, para além do atraso na candidatura, que embora já inscrita a nível nacional (após pressão camarária junto da DGPC), continua coxa, ao que nos consta. O que leva a representação portuguesa na UNESCO a ter dúvidas sobre a respectiva viabilidade, retardando a entrega e aguardando melhores dias.
Há ainda, sabe Tomar a dianteira 3, outras vertentes a ensombrar o processo. Uma delas é a própria ideia de património imaterial da humanidade. Inscrição numa lista de protecção e salvaguarda, para evitar que venha a desaparecer, segundo o UNESCO. Galardão que confere valor mundial, permitindo larga promoção comercial e política, para quem apresentou a candidatura. Duas visões que não sendo incompatíveis, tão pouco emparelham lá muito bem.
Outro óbice de monta é que, tratando-se da arte de elaborar flores, e/ou de montar tabuleiros, ou organizar a festa, não é aceitável que os ditos tabuleiros tenham obrigatoriamente o mesmo aspecto global rígido, quando se sabe que derivam das tradicionais fogaças ou fogaceiras, que subsistem por esse país fora, com uma extrema variedade, que lhes confere genuinidade e autenticidade popular.
Terceiro problema, além de poder inscrever a arte de montar tabuleiros, ou a arte das flores de papel, já classificada em Campo Maior, a UNESCO também poderá inscrever na lista do património imaterial o próprio processo organizativo da Festa dos tabuleiros, desde que a candidatura o solicite, o que ainda não é o caso. Mas então há que optar antes: Modelo organizativo do grande cortejo, tipo festa de Estado? Modelo Carregueiros, muito mais modesto, mas também mais autêntico e fiel à tradição? Outro ainda, mais rentável? Qual?
Última questão relacionada, o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança, diz o poeta. O que ontem se aceitava e até se admirava, doravante é algo de retrógrado aos olhos de muitos, a que urge pôr cobro. Refiro-me a um desfile ao sol de centenas de mulheres com tabuleiros de 15 quilos à cabeça, tendo ao lado os seus pares, que apenas ajudam a pôr à cabeça, ou a tirar, sem nunca levarem ao ombro, como seria natural.
Pouco ou nada importa a opinião dos tomarenses a respeito de tudo isto. Não são eles que vão dizer sim ou não, quando se votar a inscrição na lista de salvaguarda. São os representantes credenciados de 24 países, que eventualmente nem sabem bem onde fica Tomar, quanto mais agora o que é a Festa dos tabuleiros na sua essência. Mas sabem o que é igualdade, decência e equidade, nos tempos que correm.
Uma coisa é certa. Com ou sem inscrição na lista do património imaterial da UNESCO, a festa grande tomarense está condenada ao desaparecimento no seu modelo actual. Tem de ser reformulada. Alguém imagina um concelho em crise, com menos de 40 mil eleitores, a gastar mais de dois milhões de euros sem retorno, numa festa que dura três dias, em plena alta estação turística, quando não faz falta nenhuma para atrair visitantes, e implica a destruição de nove toneladas de pão? Em Bruxelas, certamente que não iriam aplaudir. Sobretudo o célebre holandês das "meninas e vinho verde"...
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