sábado, 22 de abril de 2023

Entretém de funcionário

O papagaio Boavista

Algo deprimido, após anos e anos no cabide, por alegada inadequação às necessidades do serviço, certo funcionário superior da autarquia pediu autorização para comprar um papagaio, como forma de animar um pouco as suas jornadas laborais ociosas, ou quase. Obtido o consentimento do executivo, com a recomendação de ter muito cuidado com a compra, o respeitável funcionário foi a Lisboa, a uma loja de aves exóticas.
-Pretendo comprar um papagaio, para animar um pouco as minhas ocas jornadas laborais, mas queria um que não diga palavrões, porque é para instalar no meu gabinete de funcionário superior da autarquia. Tem para venda algum exemplar assim?
-Por acaso temos, meu caro senhor. Uma ave extremamente educada e faladora, que não aprende palavrões, porque é surda. Vou buscar. 
-Aqui tem o Boavista, uma beleza de papagaio, extremamente falador mas educado, numa sociedade que nem tanto, devido à sua deficiência auditiva.
O respeitável funcionário superior autárquico comprou a ave, pagou e regressou a Tomar, onde a instalou num belo poleiro, no seu vasto gabinete autárquico.
O tempo foi passando e, seis meses depois, o mesmo funcionário voltou ao estabelecimento da capital, para reclamar e tentar devolver o papagaio Boavista. 
-O senhor enganou-me, acusou ele. Garantiu-me que o papagaio era surdo e não aprendia palavrões, e vai-se a ver tem sido uma vergonha. De tal forma que a Câmara até já me ameaçou com um processo disciplinar, está a ver?!
- Mas porquê, meu caro senhor?
-Porquê?!? 
-Porque você me mentiu, dizendo que o Boavista não aprendia palavrões, nem inconveniências, por ser surdo. Vai-se a ver, de cada vez que entra no meu gabinete algum colega ou eleito, dispara logo: Corrupto! Incapaz! Aldrabão! Vigarista! Mentirosa! Bairro calé! Mãe dos ciganos! Política reles! O leque é vasto. Quero portanto devolver a ave e recuperar o meu dinheiro.
-Impossível, prezado cliente. Eu não o enganei. O papagaio é mesmo surdo. Mas vê muito bem, como o próprio nome indica. É como muitos jornalistas e cidadãos.
Desanimado, o respeitável funcionário superior regressou às margens nabantinas, com a ave na gaiola, acabando por a doar a um amigo, numa estação de rádio local. 
Agora, quando recebem convidados, no estúdio onde está o Boavista num poleiro, vão logo avisando: 
- "Não façam caso do que diz o papagaio. É só má-língua, e ele nem é da casa." Os subsídios fazem sempre muita falta...


2 comentários:

  1. Pelas novas crónicas comprova-se que a recente operação não beliscou o seu espírito crítico, nem diminuiu as certezas.
    Como não vai participar na festa dos Tabuleiros e pelos vistos vai estar em Tomar, será que a visita de inspeção dos esgotos da novel estalagem já está agendada?
    Um abraço e as melhoras.

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    1. Bem-haja pela opinião bem disposta. Infelizmente, as minhas certezas são cada vez menos. Vai ficando só a do pouco tempo restante...
      Deliberadamente, salvo imponderável, estarei em Portugal mas não em Tomar no dia do cortejo dos Tabuleiros. É do adagiário popular que quem tem calos não se deve meter em apertos, e eu tenho muitos e grandes e velhos.
      Sobre os esgotos de que fala, se a Câmara quiser fazer o obséquio de agendar, aceitarei de bom grado. Caso contrário, o problema ficará como o sexo a partir dos 60: pendente. Depois não se queixem.
      Um abraço,

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