sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Batalhas, guerras e tralhas

Em 1940, quando as divisões blindadas alemãs invadiram e ocuparam grande parte da França, incluindo Paris, De Gaulle, um general de duas estrelas, refugiou-se em Londres e daí se dirigiu aos seus compatriotas pela rádio. Num discurso que vinha do coração, apelou à resistência contra os invasores e terminou com as frases que se tornaram célebres: "A França perdeu uma batalha, mas a França não perdeu a guerra. Viva a República! Viva a França!" Cinco anos depois, em Novembro de 1945, derrotados os alemães graças ao auxílio dos americanos, De Gaulle subiu triunfalmente os Campos Elíseos. A França perdera uma batalha, mas acabava de ganhar  a guerra, conforme ele previra.
Decorridos mais de setenta anos, acabo de ler aqui esta maravilha bélica: "A batalha pelo regresso da urgência médico-cirúrgica a Tomar não está perdida", declarou Anabela Freitas aos microfones da Rádio Hertz. Caso para aplaudir? É claro que não. Desde logo porque só os papalvos poderão eventualmente acreditar na existência de uma batalha entre a socialista Anabela e o governo socialista de Costa. A seguir porque, para além das declarações da senhora presidente e dos seus camaradas, não se nota que esteja em curso qualquer batalha. A não ser a da sobrevivência política.

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Fotografia antiga do Hospital de Ourém

Em terceiro lugar, dando de barato que esteja em curso qualquer batalha, tão encapotada que ninguém dá por ela, que tropas alinha a autarca tomarense? Mais precisamente, que argumentos apresenta? População? Está a diminuir a olhos vistos. Economia? Definha a cada dia que passa. Deserto médico-cirúrgico? Há uma urgência dessas a 35 kms, em Abrantes, a 44 kms, em Leiria, a 64 kms, em Santarém e a 80 kms, em Coimbra. Ou seja, quatro urgências médico-cirúrgicas a menos de uma hora de Tomar. Nem os países ricos do norte da Europa ostentam uma tal densidade de urgências médico-cirúrgicas.
Se bem entendo, a senhora presidente da câmara, a mergulhada numa série de problemas que não esperava, viu-se forçada a falar para tentar apaziguar aqueles tomarenses presunçosos que ainda vivem no passado. Acham que Tomar deve ter a sua urgência médico-cirúrgica "por direito próprio". Por ser a grande cidade do norte no distrito, com um estatuto de alto gabarito. Esquecem que hoje em dia já assim não é.
Nos idos de 60 do século passado, Tomar tinha dois hospitais, o da Misericórdia e o Militar, mais duas clínicas privadas com internamento (Santa Iria e Senhora da Piedade). Onde é que isso já vai? Resta-nos um hospital amputado e não sei por quanto tempo, que a economia não perdoa e a máquina das notas já não funciona em Lisboa. Quanto a população e pujança empresarial, estamos conversados. Agora a maior cidade da zona, a que tem maior actividade empresarial, a que se desenvolve, é Ourém. Onde nem sequer há um hospital médio. O que levou os autarcas oureenses a obter do governo a liberdade para recorrerem ao hospital de Leiria, que fica a 20 kms, apesar de pertencerem ao distrito de Santarém. Revelaram assim ser mais práticos e realistas que os tomarenses, uma vez que Leiria tem mais população que o conjunto Santarém-Abrantes-Tomar.
Na minha humilde opinião, que vale o que vale, talvez não fosse pior a senhora presidente da câmara descer a este triste mundo quanto antes, sob pena de o seu mandato poder terminar de forma inesperada. São demasiadas asneiras em tão pouco tempo, e já  Camões, apesar de zarolho, dizia há  mais de 500 anos:

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades 
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança 
Tomando sempre novas qualidades 

Continuamente vemos novidades
Diferentes em tudo da esperança
Do mal ficam as mágoas na lembrança
E do bem (se algum houve) as saudades

O tempo cobre o chão de verde manto
Que já coberto foi de neve fria
E em mim converte em choro o doce canto

E afora este mudar-se cada dia
Outra mudança faz de maior espanto
Que não se muda já como soía" (como era costume)

Luís Vaz de Camões - Sonetos

2 comentários:

  1. Terá sido o nosso Luis precursor do Marxismo? O primeiro quarteto não deixa dúvidas. Mas há quem teime em fazer crer que o capitalismo é o fim da História... E não é.
    "Todo o mundo é composto de mudança
    Tomando sempre novas qualidades".

    E esta, hein!

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