Estamos em Dezembro e a roda do Mouchão continua a fornecer água para a fotografia, uma vez que, desde as obras paivinas, aquele espaço verde passou a ser regado com água da rede, quando anteriormente era a multi-centenária nora que assegurava essa rega. Gratuitamente e sem qualquer espécie de poluição. Coisas tomarenses.
Segue-se que a roda continua a funcionar, porque o açude temporário não foi desmontado. Trata-se de uma situação nunca antes observada porquanto, em conformidade com a tradição, os açudes temporários sempre foram instalados até Abril e desmontados antes da feira de Santa Iria.
Tudo indica portanto que este ano estão os tomarenses perante uma aposta da autarquia, que terá resolvido manter o açude, o que poupará a sua desmontagem e a posterior reinstalação, lá para Abril. Qualquer aposta comporta riscos, mas umas são mais arriscadas que outras. Neste caso, pode mesmo dizer-se que é uma aposta pouco sensata, porque demasiado arriscada.
Vejamos mais em detalhe. Quais são as vantagens? Poucas. Os trabalhadores camarários não se cansarão tanto, porém a autarquia apenas poupará alguma madeira tosca, alguma rama de pinheiro e umas carradas de tout-venant, uma vez que tem de lhes assegurar os vencimentos da mesma forma.
Em contrapartida, os riscos são imensos. Sabido como é que estamos assistindo a grandes e inesperadas alterações climáticas, com o surgimento de fenómenos extremos (de que é exemplo o tornado de 2007, ou a recente tempestade Ana, para não falar de Pedrógão), quem nos garante que não vai ocorrer, algures este inverno, uma brusca tromba de água, com a consequente inundação da baixa citadina? A acontecer (e oxalá que não), que fará a câmara nessa altura? Que justificação apresentará para não ter mandado desmontar o açude em tempo oportuno, como sempre se fez?
Os lacaios seguidistas do costume vão alegar, em defesa da sua dama e à falta de melhor, que o autor destas linhas é um medroso. Cumpre por isso desiludi-los, uma vez mais. Desde a guerra colonial em Angola que este vosso servidor deixou de ter medo. Parece contudo oportuno relembrar a resposta do Duque de Alba ao nosso infeliz D. Sebastião. Quando este o convidou para o acompanhar naquilo que se veio a revelar a infausta aventura de Alcácer Quibir, o altivo nobre espanhol recusou. Irritado, o jovem rei retorquiu: -Sabeis senhor, de que cor é o medo?! Ao que o duque respondeu com ar pachorrento: -Sei muito bem. majestade. É da mesma cor da prudência.
Dois anos mais tarde, o Duque de Alba ocupava Lisboa com as suas tropas, na véspera da aclamação de Filipe II de Espanha como Filipe I de Portugal, nas Cortes de Tomar, porque D. Sebastião desaparecera entretanto nas areias marroquinas, vítima da sua aposta pouco sensata.
Pois é, senhora presidente, senhores vereadores. O medo é da mesma cor da prudência. E o açude já lá não devia estar desde meados de Outubro.
Fica este escrito, para eventual memória futura.
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