Sociólogo, director de investigação científica no CNRS - Paris
Autor do livro "O triunfo de uma utopia, férias, lazer e viagens, a revolução dos tempos livres",
(Editions de l'Aube, Paris, 2015, sem tradução portuguesa)
"Mil e duzentos milhões de humanos vão visitar um país diferente daquele em que residem habitualmente, durante o ano de 2017. Em 1968 eram apenas sessenta milhões. Noventa e nove milhões virão muito provavelmente a França antes do final do ano, país com 62 milhões de habitantes "ao ano". O governo francês pretende atingir os cem milhões de turistas em 2020, que facultarão uma receita de 50 mil milhões de euros. Pouco a pouco, a humanidade vai-se assim conectando numa mundialização vivida, massiva, exponencial. Este fluxo gigantesco, o seu peso económico mais o seu peso mediático, transformaram-no por outro lado num alvo para os terroristas. A França, núcleo histórico do movimento turístico, já pagou por isso, tal como outros países do Mediterrâneo. Pensemos Bataclan, Nice, Champs-Elysées.
Forças políticas radicais começam também a contestar o "turismo de massa". É verdade que esse fenómeno é por agora muito minoritário, mas há que estar muito atento, porque não se deslocam milhões de humanos sem consequências, tanto para eles como para os residentes ao ano nos países de acolhimento. Sobretudo num período de incremento de nacionalismos, de ultra-esquerda violenta e de mobilização das sensibilidades ecológicas. Pensemos nas oposições aos Center Parcs, na Drôme [região francesa], nos manifestantes de Barcelona ou de Dubrovnik [Croácia]. Mas pensemos igualmente nalgumas críticas contra a empresa Aibnb [reserva de alojamentos particulares através da Internet].
Cada vez mais, a humanidade vai "visitar-se". Porque o principal objectivo é o outro, o seu território, a sua cultura, as suas paisagens, os seus monumentos, os seus divertimentos... A democratização em curso nas viagens é um desafio mundial imenso para fazer terra comum. Nalgumas regiões é já a principal fonte de emprego. Em França 7 a 8%. Cerca de 12% em Barcelona e nas grandes regiões turísticas. As empresas gaulesas exportam o seu savoir faire para o mundo inteiro. Pensemos Club Med, Pierre et Vacances, Accor hotels.
Mas pensemos igualmente na retoma do nosso modelo de parques naturais regionais, na Airbus e no TGV, em que a maior parte dos passageiros são turistas. Porque no turismo há mobilidade e por conseguinte todas as invenções para tornarem essa mobilidade mais rápida, mais fácil e mais segura. Na Europa, passámos de uma sociedade sedentária para uma sociedade quase bi-residente, na qual mais de 60% dos habitantes veraneiam todos os anos fora do seu domicílio habitual durante um certo período. Diz-se então que "foram de férias". Mas como é que este fluxo considerável é vivido pelas sociedades de acolhimento? Porque, se o turismo é desejo do outro, é também em larga medida a sua caricatura e a sua submersão.
Pensemos em Gordes, no coração do Luberon: qual é a relação entre esta estação turística e a aldeia rural arruinada, "descoberta" nos anos 1930? O sítio, bem entendido; as vistas, o clima, a vegetação, a arquitectura talvez. É verdade que sem o turismo talvez só restasse agora uma ruína no alto de uma colina, mas mesmo assim, como não perceber um sentimento local de invasão e de colonização?
Pensemos então ao nível de Barcelona ou de Praga. O fenómeno é o mesmo, mas a escala é outra. Sobretudo nas cidades vivas, povoadas, criadoras. Quase sempre, a implementação do turismo foi um projecto político rápido. Em Barcelona para acelerar a saída do franquismo, em Praga para criar riqueza após o comunismo.
Localmente tem-se primeiro a impressão que volta a haver vida, animação, multidão... Mas depois, como viver durante todo o ano com hotéis por todo o lado, alojamentos ocupados só durante alguns meses e residências de férias fechadas durante onze meses?
Por outra lado, a desorganização pelo terrorismo do turismo no sul do Mediterrâneo provocou o aumento brutal dos fluxos a norte, frequentemente para populações mais modestas. É claro que numa grande cidade é menos perturbador que numa aldeia. Com o tempo, Paris e as cidades italianas mostram que as duas culturas podem misturar-se. Os locais vivem e divertem-se graças aos turistas que vivem e se divertem graças aos locais. Mas a cidade turística empurra para a periferia uma parte dos habitantes mais modestos, enquanto os trabalhadores temporários são mal alojados e frequentemente explorados.
Bem entendido, qualquer alteração brusca num território, muda-o. Hoje já não se pode pensar em Clermond-Ferrand sem Michelin. Na época, a vinda da empresa mudou no entanto de forma profunda a capital da Auvergne, mas ninguém protesta quando se trata de uma verdadeira fábrica, produzindo coisas, com operários e engenheiros. O lazer, a festa, o amor, não serão igualmente legítimos para alterar uma cultura? Curiosa sociedade esta, que prefere os abjectos à união entre os humanos! Mas não é afinal essa união que caracteriza a nossa cultura moderna? Tais são o desafio e o valor a defender. O turismo é mundialização para os humanos, as culturas, a arte de viver e de criar. Mas para isso é indispensável estudá-lo, valorizá-lo, dizê-lo e organizá-lo.
Sucede que o turismo parece um recurso fácil, sem necessidade de estudos, de investigação ou de desenvolvimento programado. Esquece-se que a hospitalidade impõe uma certa igualdade no direito a viajar entre os habitantes e os visitantes. Esquece-se assim o saber e o poder organizativo, para só se pensar no lucro rápido e que parece fácil. Até ao dia em que um extremista coloca uma bomba num local bastante frequentado!
Então sim, começo a pensar que não se podem acolher 100 milhões de turistas sem antes se mobilizar para irem de férias os 40% de compatriotas que nunca viajam em turismo. Não podemos continuar a deixar desenvolver-se, sem análise nem conhecimento idóneo, este extraordinário movimento de multidões que dá pelo nome de turismo de massa. Vai sendo tempo para a França, que é o primeiro e está entre os mais antigos países turísticos, de desenvolver a investigação científica e a formação nesta área. É necessário assegurar o funcionamento correcto da economia turística, para permitir o seu desenvolvimento e a respectiva democratização. Criando por exemplo um ministério do turismo, que assegure as práticas adequadas no território, na economia, na democratização e nas regras. E que favoreça também um grande centro de investigação científica e de ensino nestas áreas. Primeiro em França, depois na Europa. Não fiquemos à espera das próximas explosões.
Le Monde, Débats et Analyses, 17/08/2017, página 21
Tradução e adaptação de António Rebelo, UParisVIII
Pensemos então ao nível de Barcelona ou de Praga. O fenómeno é o mesmo, mas a escala é outra. Sobretudo nas cidades vivas, povoadas, criadoras. Quase sempre, a implementação do turismo foi um projecto político rápido. Em Barcelona para acelerar a saída do franquismo, em Praga para criar riqueza após o comunismo.
Localmente tem-se primeiro a impressão que volta a haver vida, animação, multidão... Mas depois, como viver durante todo o ano com hotéis por todo o lado, alojamentos ocupados só durante alguns meses e residências de férias fechadas durante onze meses?
Por outra lado, a desorganização pelo terrorismo do turismo no sul do Mediterrâneo provocou o aumento brutal dos fluxos a norte, frequentemente para populações mais modestas. É claro que numa grande cidade é menos perturbador que numa aldeia. Com o tempo, Paris e as cidades italianas mostram que as duas culturas podem misturar-se. Os locais vivem e divertem-se graças aos turistas que vivem e se divertem graças aos locais. Mas a cidade turística empurra para a periferia uma parte dos habitantes mais modestos, enquanto os trabalhadores temporários são mal alojados e frequentemente explorados.
Bem entendido, qualquer alteração brusca num território, muda-o. Hoje já não se pode pensar em Clermond-Ferrand sem Michelin. Na época, a vinda da empresa mudou no entanto de forma profunda a capital da Auvergne, mas ninguém protesta quando se trata de uma verdadeira fábrica, produzindo coisas, com operários e engenheiros. O lazer, a festa, o amor, não serão igualmente legítimos para alterar uma cultura? Curiosa sociedade esta, que prefere os abjectos à união entre os humanos! Mas não é afinal essa união que caracteriza a nossa cultura moderna? Tais são o desafio e o valor a defender. O turismo é mundialização para os humanos, as culturas, a arte de viver e de criar. Mas para isso é indispensável estudá-lo, valorizá-lo, dizê-lo e organizá-lo.
Sucede que o turismo parece um recurso fácil, sem necessidade de estudos, de investigação ou de desenvolvimento programado. Esquece-se que a hospitalidade impõe uma certa igualdade no direito a viajar entre os habitantes e os visitantes. Esquece-se assim o saber e o poder organizativo, para só se pensar no lucro rápido e que parece fácil. Até ao dia em que um extremista coloca uma bomba num local bastante frequentado!
Então sim, começo a pensar que não se podem acolher 100 milhões de turistas sem antes se mobilizar para irem de férias os 40% de compatriotas que nunca viajam em turismo. Não podemos continuar a deixar desenvolver-se, sem análise nem conhecimento idóneo, este extraordinário movimento de multidões que dá pelo nome de turismo de massa. Vai sendo tempo para a França, que é o primeiro e está entre os mais antigos países turísticos, de desenvolver a investigação científica e a formação nesta área. É necessário assegurar o funcionamento correcto da economia turística, para permitir o seu desenvolvimento e a respectiva democratização. Criando por exemplo um ministério do turismo, que assegure as práticas adequadas no território, na economia, na democratização e nas regras. E que favoreça também um grande centro de investigação científica e de ensino nestas áreas. Primeiro em França, depois na Europa. Não fiquemos à espera das próximas explosões.
Le Monde, Débats et Analyses, 17/08/2017, página 21
Tradução e adaptação de António Rebelo, UParisVIII
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