Uma contradição grave
O problema com os herdeiros reside no facto de terem uma vida complicada por culpa própria, sem disso em geral se aperceberem. Funcionários ou não, mas partilhando todos a mesma mentalidade conservadora e ultrapassada, convergem afinal numa opção política evidente: mais Estado. O que implica inevitavelmente mais burocracia, mais despesa pública, mais impostos e mais dificuldades para a iniciativa privada.. São portanto apoiantes de facto dos caducos e obsoletos programas do PCP e do Bloco. Todavia, na hora de fazer a cruzinha e entregar o boletim, votam sistematicamente mais à direita. No PS ou no PSD.
Ao optarem assim pelo centro direita, estão afinal a subscrever de antemão um modelo de sociedade antagónico em relação à sua opção real de mais Estado. Colocam-se por conseguinte, em termos de posicionamento político, numa contradição grave. Aquilo em que acreditam realmente não coincide com aquilo em que votam. Donde, entre outras consequências, graves distúrbios de personalidade, noites mal dormidas e deliberada fuga para o mundo do futebol, onde os valores e as regras não são os mesmos. E as consequências dos resultados são praticamente nulas em termos societais. Tanto faz que ganhe o Benfica, como o Sporting, o Porto ou qualquer outro. A crise continua...
Os resultados de semelhante divergência política só não têm sido mais gravosos para os herdeiros em contradição consigo próprios por dois motivos. Por um lado, na nossa região, tradicionalmente conservadora e direitista, o CDS liberal nunca conseguiu singrar. Em geral recolhe ainda menos votos que a CDU. Por outro lado, os presidentes de câmara que já tivemos desde o 25 de Abril, quase todos funcionários, sempre aplicaram zelosamente e na medida do possível o programa do PCP e do Bloco.
Até Anabela Freitas, que se apressou a repor as 35 horas e os abonos às chefias, apesar da evidente crise orçamental que grassa na autarquia.
É claro que a maioria local que nos devia governar, desta feita até com a bênção do PCP, se está marimbando para estas minudências políticas a que aludo. Na verdade, agem a favor dos funcionários apenas e só para tentar comprar votos, procurando assim com denodo a reeleição. A experiência demonstra contudo que não é possível sem graves danos de toda a ordem viver numa contradição permanente. Pensar uma coisa mas fazer o seu oposto. Foi por isso que implodiram os regimes ditos socialistas dos países de Leste. Foi por isso que caiu o vergonhoso Muro de Berlim. Foi por isso também que no 25 de Abril praticamente ninguém ousou defender o anterior regime. Que no entanto tinha centenas de milhares de serventuários fiéis.
Julgo que será proveitoso para os herdeiros locais irem meditando nesta historieta mal alinhavada: Não aguentando mais esta porca de vida, um indivíduo lançou-se de um 30º andar. Quando passava frente às janelas do 2º andar, perguntaram-lhe como se sentia. Por enquanto tudo bem, respondeu ele. Sucede o mesmo com os herdeiros tomarenses. Por enquanto tudo bem. Mas quando baterem -e já faltou bastante mais- a cena não vai ser nada bonita.
Vou continuar a fazer o possível para evitar cá estar nessa altura. Mas tenho o dever moral de ir avisando. Com textos pessimistas e chatos. Podiam ser simultaneamente diferentes e realistas?
Como escreveu algures o grande Bertold Brecht: Falam do rio que tudo alaga na sua passagem; mas esquecem sempre as margens que o oprimem.
anfrarebelo@gmail.com
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