Este texto destina-se sobretudo (mas não só) a quem está ligado ao ensino, à investigação, à leitura, e tem a cabeça ainda a carburar em pleno. Julgo que ali para as bandas da Quinta do Contador, sita na Estrada da Serra, haverá todo o interesse em adoptá-lo com leitura de cabeceira. Para reler de tempos a tempos. E conseguir eventualmente perceber porque há tantos alunos no IPL e tão poucos no IPT, ano após ano.
"Alcunhado por Marc Andreessen, o fundador de Netscape, de "padrinho de Silicon Valley", John Hennessy, 63 anos, vai abandonar em Setembro a presidência da Universidade de Stanford, que exerce há 16 anos. Graças ao seu impulso, a universidade californiana conquistou o primeiro lugar mundial em todos os rankings internacionais existentes.
Actualmente a viajar pela Europa, para promover o fundo de 700 milhões de dólares (636 milhões de euros), que acaba de lançar em parceria com Philip Knight (Nike), para atrair para Stanford "a nova geração de líderes mundiais", Hennessy explicou-nos como é que a universidade a que ainda preside esteve na origem de Google, Snapchat, Instagram e Linkedin e tem tentado antecipar as necessidades de um mercado de trabalho tornado praticamente imprevisível pela fulgurância das inovações tecnológicas.
Preconizou a interdisciplinaridade em todas as formações universitárias. Em que é que isso corresponde às necessidades das empresas?
Um dirigente deve naturalmente ter a sua especialização Mas deve também e cada vez mais ser potencialmente capaz de interagir e de trabalhar com outras pessoas, de outras disciplinas. Repare no problema da mudança climática. Não há solução mágica. Climatologistas, economistas, políticos, especialistas em tecnologias alternativas, têm de trabalhar em conjunto. Os desafios com que nos defrontamos, na economia, na política ou no ambiente, necessitam de capacidades de colaboração para serem resolvidos. E isso aprende-se.
É fácil pôr as disciplinas a dialogar? Em França não é nada evidente...
Sossegue. Nos Estados Unidos também não! Na indústria, as abordagens transversais são mais fáceis de iniciar, porque no final tem de surgir um produto, tem de se criar valor. No mundo académico, pelo contrário, as pessoas têm tendência para trabalhar em silo. Tínhamos contudo uma vantagem: a existência de um campus universitário reunindo num pequeno perímetro múltiplas disciplinas. Criámos a seguir incitações para que investigadores e estudantes trabalhem em conjunto. Concedemos por exemplo facilidades de financiamento para investigações transdisciplinares.
Mais inesperado ainda, em pleno coração de Silicon Valley: O senhor colocou a arte no centro do campus universitário. Que resultados antevia?
As grandes sociedades têm sempre grandes artistas: a cultura traz profundidade, o que se respira aliás em França por todo o lado. E depois queríamos igualmente permitir aos estudantes o acesso a algo que poderia transformar-se numa fonte de alegria e de bem estar para toda a vida.
Mas a arte tem igualmente uma virtude pedagógica: a sua frequentação e a sua prática estimulam a criatividade; confrontam-nos com ideias diferentes que saem dos formatos estabelecidos. Procurámos por isso dar aos estudantes aquilo a que eu chamo confiança criativa. Ensinar-lhes a emitir e a receber críticas sem ficar ofendido. Esta competência é de um valor inestimável.
Mesmo as empresas que se proclamam buscadoras de criatividade, revelam por vezes alguma dificuldade para aceitar essas "ideias diferentes que saem dos formatos estabelecidos".
O desafio para uma empresa consiste em manter o relâmpago da inovação, designadamente nas grandes organizações. Google, por exemplo, dedica muita energia para conservar essa agilidade. Em Silicon Valley, as ideias pouco ou nada ortodoxas aparecem por todo o lado. Aliás, idealmente as universidades deveriam ser esse lugar onde as ideias aparecem permanentemente e deveriam reinventar-se de igual modo.
Com o aparecimento das formações de massa via Net (Moocs), Silicon Valley prometeu revolucionar as universidades. por hora as mudanças são poucas...
É uma ingenuidade pensar que um modelo único poderá responder a todas as necessidades. Alguns estudantes preferem realmente um vídeo em vez de um manual em papel, designadamente os mais jovens. Mas há outros que não. A grande novidade do Moocs consiste em permitir um ensino de massa, sejam quais forem os ritmos e as bagagens académicas de cada um.
Há uma vertente ainda pouco explorada nessa matéria. Refiro-me ao modo como estas abordagens podem articular-se e enriquecer o ensino, quanto mais não seja evitando que os estudantes tenham de regressar a casa alombando com 10 quilos de livros.
Outras inovações estão a ser testadas. É o caso das aulas invertidas -as flipped classroom- que consistem em assimilar as lições fora das aulas, realizando depois sessões para experiências, para aprofundar, para trabalhar em grupo. Parece algo muito eficaz, o mesmo acontecendo com o recurso ao big data para personalizar o ensino.
Essas abordagens tornam o ensino mais barato?
Permitem sim senhor. E sem renunciar à exigência de qualidade, o que é particularmente importante no contexto financeiro do ensino no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, o financiamento público diminui drasticamente desde há anos.
Considera a mudança suficientemente rápida?
As nossas instituições são terrivelmente lentas. Urge experimentar, tentar modelos pedagógicos novos, avaliá-los e ver se valem a pena ou não. É o que fazemos em Stanford.
(Continua amanhã)
Laure Belot e Emmanuel Davidenkoff, Le Monde - Economie et Entreprise, 04/03/2016, página 5
Tradução e adaptação de António Rebelo
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