sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

"IMPROVAVELOGIA"

"A experiência maluca das jeans sebentas"

"Adolescente = sebento? É melhor não responder aqui a uma pergunta tão ampla e palpitante. Mas se o seu rebento tem acentuada tendência para se esquecer de pôr a roupa suja no respectivo cesto, se no quarto dele  há roupa amarrotada e já usada debaixo da cama, na cama ou em cima da cama, ou se, enfim, há um acentuado cheiro a sulfato de peúga, esconda já esta crónica. Ou, melhor ainda, queime-a já. Isto porque, caso contrário, todos os conselhos de asseio vestimentar até agora dispensados à descendência, e cujos resultados práticos você continua a aguardar, ainda com alguma esperança, vão por água abaixo.
Se assim acontecer, a culpa será de Tullia Jack, uma australiana que, desde há alguns anos, se vem dedicando a estas questões de limpeza, higiene, lavagem, asseio e outros gestos domésticos, que efectuamos sem mesmo pensar no que estamos a fazer, mas que pesam bastante, tanto no ambiente como na carteira de cada um. Na vanguarda destes comportamentos estandardizados está a lavagem daquilo que vestimos, assunto ao qual Tullia Jack consagrou um estudo detalhado, publicado em 2013 no Journal of consumer culture.

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Foto todaperfeita.com.br

A arma mais dissimulada e eficaz das nossas sociedades de consumo, a sua mais bela opressão, não será afinal o nosso automatismo  ao metermos as jeans na máquina após dois dias de uso, acrescentarmos o detergente e pormos  a máquina a trabalhar, consumindo assim recursos essenciais como a água e a electricidade, não esquecendo que depois vai ser preciso tratar as águas sujas, cheias de detergente?
Consciente de que agimos sob o efeito de normas constrangentes impostas pelo meio exterior -usar roupa limpa e passada a ferro, lavar-se com frequência, evitar o odor corporal- Tullia Jack tentou apurar se é possível mudar alguns destes hábitos. Para isso imaginou uma experiência original. Deu a 31 pessoas umas jeans novas e pediu-lhes para as usarem durante pelo menos 5 dias por semana durante 3 meses, sem nunca as lavar. Isto pouco depois de uma sondagem, realizada entre os habitantes de Melbourne, ter mostrado que, em média, as jeans vão para a máquina de lavar após 2 ou 3 dias de uso. A autora do estudo iniciou então uma greve de máquina de lavar, o que equilibrou o grupo (16 mulheres e 16 homens, entre os 18 e os 56 anos) e lhe permitiu compreender melhor o esforço que estava pedindo aos restantes membros.
Durante a experiência, que durou 3 meses, conforme referido anteriormente, todos os membros do grupo puderam dialogar no site exclusivo, criado para o efeito no Facebook, e no final foram todos entrevistados.
Decorridos os três meses, constatou-se que 30 dos 32 participantes tinham conseguido resistir à tentação da lavagem. A maior parte confessaram-se até espantados com a facilidade da coisa, sobretudo quando puderam justificar-se junto dos amigos e outros próximos, construindo um argumentário para fazer frente aos olhares reprovadores do outros, no qual integraram tanto a experiência científica em que estavam envolvidos, como o aspecto ecológico.
Durante a experiência aperceberam-se de que afinal o que os repugnava era mais a ideia do que o facto de andar com as calças sujas. Alguns desenvolveram até, como pode ler-se no estudo citado, tácticas e estratégias para evitar cheirar mal, nomeadamente estendendo de noite as jeans nas janelas ou varandas, com as "pernas" viradas do avesso.
Conforme sublinha Tullia Jack. a experiência permitiu vivenciar a forma como a sociedade impõe as suas normas, tão rotineiras quanto invisíveis, as quais, segundo escreveu Ruth Schwartz Cowan, uma historiadora especializada em tecnologias, fazem de cada um de nós "um sonâmbulo caminhando no meio de rituais".
E pronto. Desculpe se o seu rebento adolescente conseguiu ler esta crónica antes de você lhe dar sumiço e que depois lhe disse que, doravante e para lutar contra esta sociedade de consumo, nunca mais volta a accionar o autoclismo após cada mija."

Pierre Barthélémy, Le Monde, Science & Médecine, 14/12/2016, página 6
Tradução e adaptação de António Rebelo

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