Há quem tenha sorte

1 - Pois é. Formalidades de embarque, 7 horas de viagem, 3 horas de diferença horária, hora e meia para Tomar, frio durante a noite... e não havia nada de novo esta manhã aqui no blogue. Peço desculpa aos frequentadores habituais. Que são poucos mas bons. Um pouco mais de 400 consultas de página por dia, entre 600 e 650 nos melhores dias. 11.910 no último mês. Não agradeço porque tão pouco quero que me agradeçam. Cada um cumpre as suas obrigações de cidadania como melhor entende. Uns escrevem, outros lêem, outros ainda só falam. Ou limitam-se àquele célebre slogan de Maio de 1968 (Onde isso já vai!): Metro, boulot, dodo (que numa tradução livre dá algo como "carrinho, trabalhinho, soninho"). E vamos ao que importa.

2 - Há quem tenha muita sorte. Com tanta regulamentação sobre fachadas, cérceas, zonas de protecção e tudo isso, há ainda quem consiga verdadeiros milagres. Basta reparar nas fotos seguintes, de um novo prédio, nas escadinhas entre a Rua do Pé da Costa de Baixo e a Estrada do Convento:

Conforme se pode ver, nada obstou à aprovação do projecto, que não respeita nem as cérceas anteriores, nem o enquadramento urbanístico, nem a zona de vistas para o Castelo. Com a obra quase concluída, o dono da obra, ou alguém por ele, reparou então que aquela parede cega, que é fachada de tardoz à esquerda e empena do lado direito, ficava muito feia. Foi quanto bastou para abrir duas janelas e dois janelos. O problema é que essas aberturas dão para o telhado do vizinho, coisa que as normas legais em vigor não permitem, salvo autorização expressa e por escrito do confinante, que assim vê seriamente limitados os seus direitos. Além disso, nem sequer figuram (ou figuravam?) no projecto que foi aprovado. Porquê?

Indagações feitas, afinal parece que não! Não são aberturas. São apenas janelas e janelos a fingir. Não abrem, vejam bem! O que não é novo em Tomar. Há quatro pseudo-janelas há muitos anos na Praceta de Olivença, ali ao fundo da Corredoura. (ver fotos). Mas essas dão para a rua. Não para o telhado dos outros.

Fica a pergunta: Se afinal são apenas janelas e janelos para enfeitar, que não abrem, porque não fizeram outros tantos na empena do lado direito? Ficava mais bonito. Ou estaremos apenas perante mais um caso de gato escondido com o rabo de fora? 

E o aumento da cércea? Foi consentido com que fundamentação? Porque a Av. Vieira Guimarães, nome oficial da Estrada do Convento, não é um caminho vicinal? Ou sobretudo porque para o ano se comemora o centenário das aparições de Fátima, santa milagreira por excelência? (Não constando contudo que possa facilitar vitórias eleitorais, mesmo a usuais portadoras de pendões nas procissões...)

Quaisquer que venham a ser as respostas, aqui fica a constatação inevitável: Apesar de tudo, em Tomar ainda há munícipes com muita sorte. São raros. Sabem bater às portas certas e sentar-se nas mesas convenientes. Que mesas são essas? São de um modelo muito peculiar, com dificuldades por cima e facilidades por baixo. 

Quando estive no Rio de Janeiro, no ano passado, li um curioso comentário grafitado numa parede da zona de Santa Teresa: "Viver na favela é uma arte. Ninguém sabe nada, ninguém vê nada. Manda quem pode. Obedece quem é inteligente e tem amor à vida." 

Tenho a vaga impressão que em Tomar é para aí que estamos a caminhar.

ACTUALIZAÇÃO

Dois leitores tiveram a amabilidade de enviar fotos do Google com o aspecto anterior, para que melhor se possa avaliar a enormidade da asneira consentida pela câmara. A ambos os meus agradecimentos e aqui fica a foto-testemunho, por causa das dúvidas: