terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

 


Economia política - dependentes - produtores de riqueza

Claramente insustentável a médio-longo prazo

Tanto no país como em Tomar


Um pouco indigesto, o ensaio de Vitor Bento, cuja leitura aqui foi antes recomendada, não é verdade? Duplamente indigesto Primeiro, porque exige algum conhecimento de economia, de sociologia e naturalmente de Português. Depois porque diz coisas pouco agradáveis para alguns. Fez-me até pensar na conhecida tirada de um dos personagens de Molière, o grande teatrólogo francês: "Qu'en des termes charmants ces choses-là sont dites". Ou seja, em tradução livre, maneira refinada de dizer coisas que nem tanto.
1-Que diz Vitor Bento, em forma de demonstração, evitando acusar? Que nos últimos quarenta anos a composição sócio-económica do país mudou bastante.
2-Que devido a essa mudança, ao contrário do que acontecia anteriormente, os dependentes do estado (subsidiados, aposentados, reformados e funcionários públicos) passaram a ser claramente maioritários.
3 Que em termos de emigração, estamos de novo ao nível da vaga migratória dos anos 60, com uma notável diferença. Antes eram migrantes sem qualificação e de meia idade. Agora são jovens qualificados.
4 - Que por causa da nova estratificação sócio-económica, conseguir uma maioria para conquistar o poder, não equivale a ter uma maioria para fazer as reformas indispensáveis.
Destes quatro pontos resulta claramente, sem que Vítor Bento o escreva, que os partidos políticos existentes proclamam belos princípios, ao serviço do país e dos portugueses, mas afinal limitam-se a tudo fazer para obter os votos dos dependentes do Estado. É por isso que, eleição após eleição, os programas partidários são tão parecidos. A tal ponto, evitando alargar, que PS e PSD, por exemplo,  se assemelham a duas tendências da mesma  formação partidária.
Descendo do escalão nacional ao local, tem sido evidente, pelo menos desde 2013, que os sucessivos executivos camarários maioritários tudo têm feito para agradar aos seus potenciais eleitores dependentes do Estado, que no concelho são percentualmente mais numerosos que no país, sem qualquer denúncia ou oposição notável dos parceiros do PSD. Não é uma acusação, apenas uma constatação.
Há dúvidas a respeito? O BE e o PCP perderam desta feita metade do eleitorado em Tomar porquê?
Porque o camarada Costa é muito simpático e habilidoso? Ou sobretudo porque a Câmara tem gasto rios de dinheiro com animação cultural para gente jovem, muito do agrado da esquerda caviar, e praticado uma onerosa política de alojamento social,  bem ao jeito da CDU-PCP?
Tais práticas, seja qual for o julgamento que sobre elas se queira fazer, nada têm de condenável. São da natureza humana, mesmo se não no seu melhor. E então? Então têm um problema insanável -são por natureza insustentáveis a médio-longo prazo.
Por um lado, porque a dada altura não há recursos disponíveis para manter os espectáculos e as festas, a não ser recorrendo ao agravamento fiscal, ou aos bilhetes de preço pouco convidativo, ambos susceptíveis de enxotar os eleitores que pelo contrário se pretendem atrair. Por outro lado, e socialmente mais grave e perigoso, os funcionários públicos, sobretudo os sentados, compreenderam pouco a pouco que podem prevaricar livremente, pois nada lhes pode acontecer. Necessitando do seu voto, nenhuma liderança política ousa instaurar um processo disciplinar ou de averiguações, mesmo quando há sérios indícios de indisciplina, de inadequação ao posto de trabalho, ou até de corrupção.
Daí resulta que, em contraste com os cidadãos de outros países da União Europeia, e mesmo de alguns outros do chamado 3º Mundo, os portugueses são muitas vezes tratados, mesmo os investidores, como gente que só incomoda, por funcionários demasiado seguros da sua impunidade, aconteça o que acontecer. Refiro-me aos serviços de atendimento público, embora reconheça que há honrosas excepções, porém infelizmente cada vez mais raras. Ora pense lá um bocadinho. Quantas vezes já foi atendido de forma menos acolhedora num serviço público? Quantos funcionários públicos conhece que tenham sido inquiridos, repreendidos ou punidos por falta de zelo ou outras falhas  profissionais?
Para concluir, a minha preocupação é o futuro de Tomar, enquanto comunidade humana florescente, por enquanto a definhar. E as perspectivas parecem-me bem sombrias nesta altura. Não porque o executivo municipal esteja deliberadamente a trabalhar mal, ou o novo governo venha a ser uma desgraça. Simplesmente porque, na minha longa vida profissional, já tive ocasião de ver outros filmes semelhantes, que não terminaram da melhor maneira.
Refiro-me aos países do leste europeu, por onde andei nos anos 60 e 70 do século passado. Com quase todos os cidadãos dependentes do Estado, sem oposição, sindicatos, nem imprensa livre, também constava e parecia que ia tudo muito bem. Até que, a partir de dada altura e pouco a pouco, se acentuou a emigração a partir da então RDA e da Hungria. Seguiu-se, pouco depois, a inesperada queda do muro de Berlim e a derrocada geral dos regimes ditos comunistas.
Mas isso foi em 1989 e lá para a Europa Central, dirão alguns. Pois foi. Nada a ver portanto com a actual situação em Portugal. Em 2011, a Troika FMI-BCE-UE veio apenas passear a Lisboa e tomar chá no Estoril. O governo PS não os chamou. O patife do Passos Coelho e o malandro do Relvas, com alguns outros, é que depois estragaram tudo, com a mania da austeridade, só porque sim. Pelo menos segundo o camarada Costa. 
Vamos andando, e mais adiante veremos se foi mesmo assim. Os juros da elevada dívida pública já recomeçaram a subir. Ontem os títulos a dez anos já se negociaram a 1%, quando antes estavam a 0,25% e o BCE informou que vai começar a "fechar a torneira". Parece pouco, mas a diferença representa milhões de euros a pagar. E os contribuintes são praticamente os mesmos de 2011, quando veio a troika.

ADENDA
Entretanto Vitor Bento, autor do ensaio, publicou um esclarecimento no OBSERVADOR de hoje 08/02/2022, do qual consta o quadro comparativo seguinte, para os mais interessados na matéria:



2 comentários:

  1. Muitos parabéns pelo seu artigo, está muito bom. Quem devia de chamar a atenção para estas coisas era o nosso presidente da República, e estando ele no segundo mandato já devia de andar a falar nisto há muito nisto mas ele não diz nada!!!! O Marcelo alguma vez diria aos funcionários públicos que eles vão ter de passar a trabalhar 40 horas por semana??? Nunca!!! O governo PSD/CDS pôs-los a trabalhar as 40 horas, veio o PS e repôs as 35!!!! Alguma vez eles vão votar PSD????!!!!! Nunca.

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    1. "O governo PSD/CDS pô-los a trabalhar 40 horas veio o PS e repôs as 35", escreve você, amigo Helder. É uma maneira de dizer. Todos sabemos que em relação aos funcionários públicos administrativos, a expressão mais adequada será "quarenta ou 35 horas semanais de presença", para não ofender os profs, os enfermeiros, ou os médicos, por exemplo.

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