sábado, 20 de agosto de 2016

Deliberação camarária discrimina cidadãos consoante o local de residência

Foi noticiado que a câmara de Tomar deliberou, na sua reunião do passado dia 16 do corrente, reservar 70 lugares de estacionamento na Rua João dos Santos Simões, destinados exclusivamente a moradores na Alameda 1 de Março. Tanto quanto se depreende da leitura dessa notícia, uma vez que por estes lados geralmente a língua portuguesa anda pelas ruas da amargura, esse estacionamento será gratuito, mas os citados residentes terão de provar essa qualidade obtendo um dístico nos serviços da autarquia.
Mesmo sem nunca ter estudado direito, salta-me aos olhos que tal deliberação é nula porque ilegal. E é ilegal porque não respeita o disposto designadamente na lei fundamental do país, que é a Constituição da República Portuguesa. Com efeito, o artigo 26º do referido documento garante, no seu ponto 1, "...protecção legal contra quaisquer formas de discriminação." Estarei a ver mal?
É indiscutível que a câmara tem competência para reservar, marcar, taxar ou de qualquer forma gerir lugares de estacionamento no espaço público concelhio. Mas está naturalmente obrigada a fazê-lo respeitando sempre as leis em vigor, que são de aplicação universal. Iguais para todos, portanto. Sucede que, neste caso particular, os competentíssimos autarcas que temos em vez de legislarem para toda a população concelhia, conforme é sua estrita obrigação, resolveram discriminar positivamente um determinado grupo social, que designam por residentes da Alameda 1 de Março.
De acordo com o noticiado, só esses moradores poderão obter o tal dístico, indispensável para ocupar com o seu pópó um dos 70 lugares reservados. Trata-se, como é evidente de uma flagrante ilegalidade porquanto, ao discriminar positivamente os aludidos moradores, os respeitabilíssimos autarcas em funções estão a discriminar negativamente todos os outros. Não será assim?
Entre as liberdades fundamentais garantidas pelo Estado a qualquer cidadão, figura naturalmente o direito irrenunciável de estacionar o seu carro onde bem entenda, desde que tal não seja interdito por lei válida para todos. O que a presente situação contraria frontalmente, ao estabelecer que em determinada artéria da cidade só poderão estacionar os residentes numa outra designada artéria. Com exclusão de todos os outros. O que é intolerável.
Resumindo: A autarquia pode manter a dita reserva de lugares e determinar o uso do citado dístico, gratuito ou não. Contudo, à luz da legislação vigente, qualquer residente em Tomar deve poder solicitar e obter essa identificação. Enquanto assim não acontecer, a infeliz deliberação camarária é nula e de nenhum efeito. Por manifesta inconstitucionalidade e inoportuna discriminação. Ou será que os residentes na Alameda têm direitos especiais e só a eles reconhecidos, unicamente pelo facto de morarem onde moram? E que mal fizeram os prejudicados moradores da Rua João dos Santos Simões, que assim se vêem despojados de algumas dezenas de lugares de estacionamento? São filhos de um deus menor?  E os tomarenses que não residem na Alameda, afinal a esmagadora maioria, são cidadãos de segunda categoria? Com direitos fundamentais reduzidos, tutelados discricionariamente, assim tipo "lei de funil", pelos senhores vereadores que temos?
A ir-se por esse caminho, um dias destes corremos o risco de ter, por exemplo, o estacionamento na Várzea grande e adjacências, ou pelo menos algumas centenas de lugares, reservados pela câmara unicamente para os seus moradores, portadores do respectivo dístico fornecido pelos competentes serviços municipais...
Ou os lugares em frente à igreja de S. Francisco reservados exclusivamente para católicos que vão assistir às missas, mediante prévia obtenção do necessário dístico, emitido pela competente autoridade religiosa.
No Verão acontece cada coisa!!!


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Boa noite. Provavelmente o que se quer implementar em Tomar será algo semelhante ao que acontece em Lisboa. Quando uma rua ou avenida passa a ter estacionamento pago, os serviços camarários emitem um dístico para os moradores poderem estacionar no local sem terem de pagar. Obrigado e cumprimentos.

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    1. É isso. Só que neste caso pretendem usurpar lugares de outra rua, como forma de conseguirem lugares livres na Alameda para facturar. O que me parece ilegal. Como de resto a prática lisboeta a que alude, pois à luz da legislação vigente ninguém pode ser prejudicado ou beneficiado em função da sua religião, cor da pele, opção política ou local de residência, por exemplo. Era só o que faltava, haver cidadãos com direito a estacionamento gratuito e outros forçados a pagar para estacionar nos mesmos locais. Não serão as leis iguais para todos?!?

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