Segundo Tomar na Rede, sob o título Há mais pobreza em Tomar, a presidente da Cáritas local, Célia Bonet, "refere que há situações de pobreza que já vão na terceira geração. São casos crónicos de famílias em que a Cáritas já apoiou os avós, os pais e agora apoiam os filhos." E por este caminho, acrescento eu, vão ter de apoiar os netos, os bisnetos e por aí adiante. Porquanto, no meu tosco entender, o que estas declarações revelam é um outro tipo de pobreza muito frequente por estas bandas. Gente com mentalidade de pedinte. Que vive permanentemente de mão estendida. Convencidos de que Deus tem lá muito para dar, só é preciso saber pedir. E como a Cáritas é uma organização católica de solidariedade social... Educação deficiente, quando a tiveram. Pobreza de espírito, em suma.
Estou a ser cruel, pensará o leitor. Quiçá assim seja. Mas julgo saber do que falo. A verdade é por vezes muito incómoda, sem deixar contudo de ser a verdade.
Nasci pobre, muito pobre. Filho de mãe lavadeira, sem emprego fixo. Inteligente, mas analfabeta porque nunca frequentou uma escola. A partir dos nove anos fiquei sem paí. A minha mãe procurou criar-me "sem a vergonha do Mundo", nas suas palavras. Sem se prostituir, queria ela dizer. Foi ajudada episodicamente pela Cáritas da época. "As senhoras da igreja", na sua linguagem popular. Davam-lhe roupa usada, calçado e de quando em quando alguns géneros alimentares.
Mesmo assim, tive frio muitas vezes e passei fome com frequência. Comecei a trabalhar aos 11 anos, como moço de recados no Turismo, após ter sido forçado pelas circunstâncias a abandonar a escola Jácome Ratton. Mais tarde fui guarda-guia no Convento de Cristo.
Após a tropa emigrei, já bem consciente de que esta terra que amo, a minha querida Tomar natal, é madrinha para os forasteiros, mas madrasta para os seus filhos. Lá para as bandas de Paris ensinaram-me finalmente a ser livre, a respeitar sempre os outros e a nunca esquecer que Deus tem lá muito para dar, mas é imperativo trabalhar, estudar, batalhar, raciocinar, fazer planos para o futuro, ir em frente, que o caminho faz-se andando, a vida é movimento e o dinheiro não cai do céu aos trambolhões no fim de cada mês.
Singrei na vida. Fiz o meu percurso com êxito. Não precisei mais da ajuda de nenhuma organização caritativa. E agora o meu filho, magistrado, que nunca sofreu frio ou fome e estudou até onde quis também não. Portanto, no caso da minha família, ajudou a mãe, mas não o filho nem o neto. Posso por isso dizer, sabendo do que falo, que a Cáritas, a Misericórdia, a Cruz Vermelha e tantas outras organizações de solidariedade social, que respeito e admiro, são indispensáveis, mas têm falhado num ponto fulcral, que é afinal a causa de tudo na maior parte dos casos.
De acordo com um velho ditado chinês "Se deres um peixe a um homem, ele alimenta-se uma vez. Se lhe ensinares a pescar, ele vai alimentar-se toda a vida." Neste caso da pobreza de espírito nabantina, parece-me que as organizações de solidariedade social -a Cáritas e as outras- continuam a dar peixe, e felizmente que o fazem, mas não ensinam ninguém a pescar. E sem isso, nunca mais vamos sair da cepa torta. Infelizmente.
Termino com um pensamento de Bertold Brecht, que dedico a todos aqueles que me acusam de ser demasiado agreste, ressentido: "Todos dizem que o rio é violento, porém ninguém fala das margens que o oprimem."
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