O país saiu do plano de ajuda internacional em Maio de 2014, mas esta visita dos "homens de negro" constitui um teste para o novo primeiro-ministro, o socialista António Costa
Os "homens de negro" estão de volta ao país de Fernando Pessoa. Na passada quarta-feira, 27 de Janeiro, os representantes da troika iniciaram uma visita técnica de uma semana a Lisboa. Missão principal: vigiar o estado de saúde económica de Portugal -sobretudo o seu rigor orçamental, cerca de dois anos após a saída do país do plano internacional de ajuda, iniciado em 2011. Contra um empréstimo de 78 mil milhões de euros, o governo português comprometeu-se então a implementar uma série de reformas drásticas, destinadas a corrigir as finanças públicas e a sair da recessão.
Desde então, Portugal conseguiu regressar com êxito aos mercados financeiros e ao crescimento económico. Mas esta terceira visita "pósprograma" surge mesmo assim como um grande teste para o primeiro-ministro socialista António Costa, que começou a governar em Novembro de 2015.
"O seu antecessor de centro-direita, Pedro Passos Coelho, que dirigiu o país entre 2011 e 2015, era o bom aluno da troika, lembra António Costa Pinto, politólogo na Universidade de Lisboa. Aplicava as reformas exigidas sem discutir, pois estava convencido da necessidade de liberalizar o país."
Já António Costa conseguiu o segundo melhor resultado eleitoral prometendo acabar com as sequelas da austeridade. A sua coligação sustenta-se graças ao apoio (todavia sem participação no governo) do Bloco de Esquerda e dos comunistas, que reclamam medidas sociais. Mas o primeiro-ministro prometeu também controlar as finanças públicas, em conformidade com as exigências de Bruxelas..."O que quer dizer que, para satisfazer os dois campos, será obrigado a fazer um delicado exercício de equiibrista", analisa António Barroso, especialista de Portugal na empresa financeira Teneo Intelligence.
Para o chefe do governo, que foi presidente da Câmara de Lisboa, cidade onde continua a ser muito popular, o desafio é claro: tem de convencer os seus parceiros europeus da necessidade de voltar a dar um pouco de oxigénio à economia portuguesa, favorecendo o consumo. A troika, por sua vez, dá a entender por meias palavras que receia ver Portugal regressar às "maleitas de antes da crise", segundo foi possível apurar junto de fonte próxima dos credores.
Na realidade, a Comissão Europeia mostra-se inquieta ao ver o governo português encarar a possibilidade de reverter várias medidas implementadas nestes últimos cinco anos, tais como alguns cortes nos vencimentos dos funcionários e nas pensões de aposentação. Outro tanto acontece com o aumento do salário mínimo (de 505 a 530 euros, em 14 meses), que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2016 e fez ranger os dentes em Bruxelas.
Tal como o FMI, os funcionários europeus pensam que Portugal deve continuar com as reformas estruturais. Por exemplo com a redução da burocracia que pesa sobre os empresários, ou abrindo ainda mais o mercado do trabalho, implementando uma fiscalidade que favoreça o investimento em vez da dívida...
A Comissão de Bruxelas aproveitará igualmente a sua presença em Lisboa para examinar detalhadamente o orçamento para 2016, no quadro do "semestre europeu", prática corrente em todos os paises membros da UE, a qual visa evitar que algum deles deixe aumentar o défice. "É um teste importante para a credibilidade de António Costa", adianta uma fonte europeia.
Conseguirá o primeiro-ministro honrar os seus compromissos? Como é que vai financiar as novas despesas já previstas? Poderá renunciar a algumas delas, sem desencadear os protestos da esquerda radical? As discussões prevêem-se muito agitadas.
Teoricamente, Portugal regressou à normalidade orçamental em 2015, reduzindo o défice para 3% do PIB, de acordo com as primeiras estimativas. Mas essa taxa sobe para 4,2% quando se acrescentam os recursos públicos usados no caso do banco BANIF, em Dezembro de 2015. Apesar disso, o governo comprometeu-se a reduzir o défice para 2,6% em 2016, contando com um crescimento económico de 2,3% do PIB. Uma previsão considerada demasiado optimista pela Comissão Europeia, que prevê um crescimento de apenas 1,7% do PIB. "A redução da austeridade deverá contudo favorecer o crescimento económico, o emprego e, por conseguinte, as receitas fiscais", matiza Jesus Castillo da financeira Natixis.
Outro ponto de tensão: a dívida pública, a qual atingiu 130,5% do PIB no terceiro trimestre de 2015. O governo de António Costa conta poder reduzi-la para menos de 126% do PIB, no fim deste ano. Trata-se de um objectivo credível, pensam os economistas. "Mas Portugal continua muito frágil em termos de dívida pública. Qualquer aumento das taxas de juro será fatal para as finanças públicas", considera com inquietação António Barroso, entre outros.
Marie Charrel - Le Monde Economie et Entreprise, 28/01/2016, página 4,
Tradução e adaptação de António Rebelo
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