terça-feira, 30 de março de 2021

 

O NABÃO A POLUIÇÃO E A CONFUSÃO


Tomar sempre foi e continua sendo uma cidade de gente calada. Como as terras alentejanas. Claro que há excepções. Mas são raras. Um blogue com umas boas dezenas de comentários semanais, umas notas do dia nas rádios locais, que praticamente ninguém ouve, um curioso debate semanal entre dois vereadores -um da maioria outro da oposição- não obstante quase sempre de acordo, de tal forma que uma pessoa se pergunta o que os terá levado a inscrever-se em partidos diferentes.
Fora isto, quase nada. Um ou outro texto de circunstância da srª presidente da câmara, um ou outro escrito de intervenção vindo da oposição. Destaque aqui para Tiago Carrão, do PSD, que escreve com alguma regularidade sobre política local, numa linguagem muito aceitável, mesmo que dele se discorde.
Neste quase deserto epistolar, apareceu agora um texto bem escrito do sr. Horta, também do PSD,  que não conheço. Disserta sobre a poluição do rio, com tal paixão que até perdeu o controlo. "Enfrentar o problema de frente", como escreveu quase no final, é daquelas argoladas que se perdoam, mas dão para rir. Porque abordar o problema de lado, já não é enfrentar, é ladear.
Resulta de tudo o acima escrito que em Tomar se escreve e fala pouco, creio que não só por manifesta incapacidade, mas também por evidente desconhecimento da cidade e do mundo. Quando digo desconhecimento refiro-me à  falta de compreensão do vasto mundo e da pequena cidade.
Tomemos o caso do acima referido texto do sr. Horta. Escreve com paixão sobre a poluição do Nabão, após mais de uma dúzia de outras intervenções de diversa origem sobre o mesmo tema. Partidos políticos locais, eleitos, jornalistas e simples cidadãos mais implicados nos assuntos tomarenses, já todos malharam nos putativos culpados pelos sucessivos episódios de poluição. Até eu, que fui dos primeiros.
Há porém uma grande diferença entre a minha posição e  a dos restantes escritos de protesto. Enquanto todos eles, incluindo o sr. Horta, parecem considerar a poluição do rio como o principal problema tomarense, o autor destas linhas tem plena consciência de que tal não é verdade.
Tentemos ver a questão da poluição do rio sem paixão. Incomoda por causa do aspecto e do cheiro, é verdade. Mas quanto ao cheiro, não me parece que seja pior que o da política local. Só que este desvanece-se tão rapidamente que são poucos os que dão por ele. Quanto ao aspecto, convenhamos que há bem pior, mesmo na zona. Ali da ponte do Flecheiro para baixo, por exemplo.
Mas além disso há perigo evidente para a fauna e para a flora, clamarão os ecologistas mais novos nestas andanças. A quem respondo que não há, não senhor. Os peixes mostram-se cada vez mais bem alimentados e só a proliferação das algas mostra haver algum excesso de fosfatos no Nabão. Culpa dos detergentes domésticos.
Quer tudo isto dizer que o problema da poluição do nosso rio não é grave? Longe disso. Trata-se de um tema importante e até prioritário, sendo contudo errado considerá-lo como o principal problema do momento na cidade e no concelho.
Basta formular uma pergunta singela, para disso se convencer: Dando de barato que tal venha a ser possível a curto, médio ou longo prazo, uma vez resolvido o problema do Nabão, o que muda para os tomarenses? Passam a ter o rio limpo, com melhor aspecto e sem mau cheiro. E daí? Que implicações tem isso no dia a dia de cada um? Passam a dormir melhor?
Façam o favor de pensar agora em três outros problemas tomarenses: 1 - A requalificação da estrada nacional entre a rotunda da passagem de nível e a da zona industrial, com a instalação de duplo emissário de saneamento, passeios de ambos os lados e pista ciclável; 2 - A falta de estacionamento em toda a cidade antiga, particularmente grave para os turistas; 3 - A excessiva burocracia camarária, que tudo dificulta e tudo emperra, com graves consequências para o investimento, para o emprego e para a fixação de população.
Uma vez ultrapassado qualquer um destes três enormes obstáculos, é óbvio que a vida quotidiana dos tomarenses vai melhorar, e de que maneira. Já no caso do rio...
Convém portanto estabelecer uma tabela de prioridades e tê-la sempre presente. Os senhores políticos, mesmo os aprendizes locais, são especialistas quando se trata de arranjar questões secundárias para desviar a atenção daquilo que é realmente importante. Convém ter isso sempre presente.
Fecho com uma quadra alusiva de António Aleixo, o poeta popular quase analfabeto falecido em 1949, de tuberculose:

Entra sempre com doçura
A mentira pr'agradar
A verdade entra mais dura
Porque não quer enganar

Sem comentários:

Enviar um comentário