Vida tomarense
Gente com antolhos sem disso se dar conta
"Triste ando eu... ...que sei ser o meu mal sem esperança", escreveu Camões algures e aproveito eu para partilhar, por estar numa posição semelhante. Bem gostaria que os meus conterrâneos fossem de outro modo, mas são irremediavelmente como são. Vivendo num vale lindo mas desprovido de horizontes, praticamente só os que daqui saem conseguem por vezes ver longe, mas esses são logo acusados de terem a mania de ser melhores do que os outros (sobretudo quando são mesmo) e votados ao desprezo. Tudo o que a partir de então possam dizer ou escrever, será sempre ouvido ou lido numa atitude de condescendência, logo seguida da maior indiferença, por vezes fingida. E assim vamos indo.
As situações que passo a relatar ocorreram no único blogue local onde acontece por vezes algum debate. Uma postagem denunciava a óbvia falta de estacionamento na urbe, que já levou inclusivamente alguns profissionais da estrada e não só, a protestarem. Logo um outro comentador botou opinião, sustentando que vem muito a Tomar e acha que há muitos locais para estacionar.
Algo irritado, um terceiro interveniente escreveu que cada qual pode avançar com as palermices que quiser, como essa de haver estacionamento com fartura, pois vivemos numa sociedade livre. Tanto bastou para que logo um outro, com fortes indícios de quadro superior da autarquia, descer a terreiro para apoiar o do estacionamento com fartura, aproveitando para injuriar o discordante, cuja intervenção apodou de "perfeita estupidez".
Isto porque, vivendo em Tomar, segundo também escreveu, nunca sentiu que houvesse falta de estacionamento na área urbana, aproveitando para enumerar os parques de estacionamento existentes na zona antiga e além da ponte. O que há, acrescentou em tom crítico, são cidadãos que pretendem levar o carro para todo o sítio, e estacionar a dois passos do café, da loja, da repartição ou do emprego.
E temos de viver em boa harmonia, com cidadãos que nem tiveram a ideia de parar um bocadinho para pensar melhor. Para formular uma simples pergunta elementar. Porque há cada vez mais gente a dizer que falta estacionamento e muitas outras coisas em Tomar?
São os tais antolhos, umas vezes partidários, outras vezes culturais, outras ainda ambas a coisas, que forçam um visão estreita da realidade, com poucas ou nenhumas hipóteses de alargamento. No caso, vejamos rapidamente. A esmagadora maioria dos turistas chega a Tomar de automóvel e de autocarro, e quase todos se dirigem logo para o Convento de Cristo.
Uma vez que há apenas 7 lugares para autocarros de turismo, muitas vezes deixam os visitantes à entrada do monumento e vão estacionar junto à Casa da água dos Pegões altos, onde não existe qualquer equipamento. Nem sanitários, nem bar, nem área de descanso, e o piso é de terra batida.
Ali ficam a olhar para os pinhais, até uma hora mais tarde o guia do grupo os chamar por telemóvel. Muito bucólico, sem dúvida. Mas é isto aceitável em 2024, junto a um monumento Património da humanidade, em plena União europeia, que para cá manda milhões e mais milhões para equipamentos?
Pior sorte têm os automobilistas. Se ao chegarem encontrarem os dois pequenos parques cheios, e as redondezas sem uma nesga onde parar, que solução têm? Naturalmente vão-se embora para onde haja melhores condições de acolhimento.
Mas isso é lá em cima no Convento, dirão alguns cérebros locais ligados à autarquia. Pois é. Mas será que cá em baixo a situação é melhor? Alguém está a ver um visitante estacionar o carro no largo do Mercado, por exemplo, para visitar a Sinagoga ou lanchar nas Estrelas? E parar na Rua Voluntários da República, ou junto à Estação, para fazer compras na Corredoura?
Assisti um dia destes ao espectáculo algo insólito de um carrinho da bagagens, daqueles dos hotéis, (ver imagem supra) cheio de varões amarelos, carregado com uma pilha de malas e empurrado por um empregado trajado a rigor, circulando na rua Silva Magalhães, entre a esquina da Várzea Pequena, onde parou o autocarro à falta de melhor, e a Praça da República. Pitoresco é certamente. Mas será prestigiante para uma cidade com pretensões a grande centro de turismo?
Deitem fora os antolhos quanto antes, se puderem, e tratem de alargar a visão para ambos os lados. Pode ser que ainda vão a tempo.
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