quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Um erro histórico


 Um dos pontos da ordem de trabalhos da reunião de 14/08/2017 da Câmara de Tomar era este:


Um dos grandes problemas locais é, no meu entender, a óbvia falta de informação completa e idónea. Apesar de haver sempre representantes credenciados dos jornais e rádios locais nas reuniões do executivo municipal, muito raras vezes se consegue saber em detalhe o que lá foi dito. Houve uma jornalista que, por duas ou três vezes, ainda ousou ir ao osso das questões, mas foi sol de pouca dura. É lamentável, mas é assim. Acontece em todas as terras pequenas e nos países menos evoluídos. E a culpa muito raramente cabe aos jornalistas, sempre manietados de alguma maneira.
No caso que agora abordo, foram tomadas decisões que me deixaram boquiaberto: Apresentar à Direcção-Geral do Património Cultural "Proposta de alargamento/redefinição da área de classificação do Centro Histórico de Tomar e do Aqueduto de Pegões, e redefinição da ZEP de Sellium; proposta de desclassificação das ruínas de Cardais/Ruínas da Nabância..."
Lê-se e volta-se a ler, pois é difícil de acreditar. Sem qualquer fundamentação publicamente conhecida; sem qualquer discussão alargada; sem qualquer informação prévia aos eleitores tomarenses; o executivo resolve propor ao escalão superior a "redefinição da Zona Especial de protecção de Sellium" e a "desclassificação das ruínas de Cardais/Ruínas da Nabância".
De que se trata afinal? No primeiro caso, daquela coisa ali atrás do quartel dos bombeiros, que uma senhora arqueóloga vinda de alhures e os seus discípulos, afiançam desde as respectivas escavações ser as ruínas de Sellium, sem contudo jamais terem apresentado provas concludentes daquilo que sustentam:


Local do alegado fórum romano de Sellium. Suponho que só após a aceitação pelo governo da redefinição da Zona Especial de Protecção virá a necessária e urgentre limpeza. A não ser que antes haja ali algum fogo. Mas como fica nas traseiras do quartel dos bombeiros, estes jogarão finalmente em casa.

No outro caso, o comentário não é meu, mas de Reinaldo dos Santos, no Guia de Portugal, volume 2, Estremadura, Alentejo e Algarve, página 491:


Ou seja, no caso dos pretensos vestígios de Sellium, nunca assaz documentados, o Município de Tomar propõe à tutela o reforço da Zona Especial de Protecção. Para proteger precisamente o quê? 
Inversamente, no caso das ruínas de Cardais/Nabância, com abundância de vestígios romanos documentados em 1926 (fragmentos de estátuas, moedas, medalhas, ladrilhos, colunas e mosaicos, alguns arruamentos) e classificadas como Monumento nacional, propõe-se a desclassificação pura e simples.  Com que base séria? Foram efectuadas escavações arqueológicas?
Quanto a Sellium, toma-se gato por lebre, ou nem isso. No caso da Nabância, o executivo propõe-se que passe de cavalo para burro. Brada aos céus, mas é assim!

Aspecto actual da ponte romana, mais tarde apelidada das Ferrarias.

Em 2016, aquando das obras de reparação e limpeza da zona da Ponte romana das Ferrarias, que a câmara realizou por administração directa, disse ao engenheiro presente no local que era uma excelente ocasião para escavar na margem esquerda, de forma a averiguar por onde e para onde vai a calçada romana, uma vez que os vestígios mencionados no Guia de Portugal em 1927 ficam a poucas centenas de metros. Calou-se e nada foi feito nesse sentido. Agora já percebi porquê. Não convém levantar lebres. A não ser a de Sellium. Porque será?
A actual câmara socialista que continue por essa via e depois não se queixe do que possa vir a acontecer-lhe logo no início de Outubro. Há erros históricos, que por isso mesmo são imperdoáveis.

Esclarecimento
Escrevi acima e mantenho "senhora arqueóloga vinda de alhures", não por bairrismo bacoco, mas apenas porque, sobretudo em História, é sempre importante saber o que está para trás. E os forasteiros raramente sabem, como é mais uma vez  evidente neste caso. Ou então até sabia, mas outros argumentos extra arqueologia foram mais fortes.

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