sábado, 17 de setembro de 2016

Realojamento dos ex-nómadas do Flecheiro

António Rebelo
anfrarebelo@gmail.com

Em recentes declarações à Rádio Hertz, a presidente Anabela Freitas informou que foi aprovado o projecto de construção de alojamentos para 25 pessoas "de etnia cigana", nos terrenos municipais do lado sul do quartel da GNR. O que significa que as também recentes postagens de Luís Ferreira na Net se baseavam em iniciativas em curso da autarquia. Fora do poder executivo mas não da realidade. O Luís Ferreira, goste-se ou não, sabe muito e raramente dá ponto sem nó.
Sendo assim, teremos na fase seguinte mais um conjunto de alojamentos nos terrenos anexos à FAI, ali por trás do Pinhal de Santa Bárbara. Em ambos os casos, trata-se para os socialistas, agora no poder em Tomar, de tentar cumprir uma das promessas eleitorais -o realojamento da comunidade cigana do Flecheiro, ou de apenas parte dela.
Grosso modo, a dita comunidade de ex-nómadas conta nesta altura com cerca de 200 pessoas, divididas em três clãs, de sul para norte: Pascoal, Fragoso e Ròflim. A obra agora anunciada, que não se sabe ainda quando começará ou estará concluída, destina-se a alojar com dignidade o clã Pascoal, ou parte dele, o mais carenciado dos três, conforme se pode constatar nas fotos:



Logicamente seguir-se-à o realojamento do clã Fragoso e, finalmente, o clã Ròflim, actualmente o que dispões de melhores instalações. Repare-se nas paredes em duro, na parabólica e na chaminé. Praticamente uma vivenda à beira-Nabão:



Nas mesmas declarações à Hertz, quando o jornalista perguntou se as barracas dos realojados seriam destruídas, a presidente respondeu ufana, "Imediatamente a seguir!" Foi aí que comecei a ficar preocupado. Porque visivelmente estes nossos autarcas de circunstância são pouco lidos, pouco vividos e não têm Mundo. Mesmo quando já viajaram, pouco ou nada viram e ainda menos entenderam, assoberbados com detalhes como a língua, os transportes, o alojamento, a alimentação, os emaranhados urbanos... Donde resulta que detêm muito pouco know-how, designadamente na área do realojamento cigano. 
Convém por isso alertar para algumas armadilhas, já bem presentes no horizonte, que todavia a evidente falta de experiência de vida impede a presidente e os seus companheiros do executivo de ver atempadamente.
Aquilo a que ultimamente se tem chamado a comunidade do Flecheiro teve início na presidência do socialista Luís Bonet, nos anos 70 do século passado, com cerca de 30 ex-nómadas, vindos da Quinta de Santo André, a sul da Praça de Toiros, logo à ilharga da estrada de Coimbra, onde antes acampavam. E que um empresário tomarense, agora já retirado, tinha necessidade de desocupar, para depois lotear. O que veio a acontecer. É agora, em linguagem popular local, o "bairro dos ricos".
Com muito maior índice de natalidade que os tomarenses tradicionais, mas também devido à posterior vinda de vários outros membros, a comunidade cigana foi crescendo, até ultrapassar agora as 200 pessoas, que na sua maioria não pagam IRS. O que bastante irrita alguns tomarenses. De forma que, temos aqui uma situação potencialmente explosiva a médio/longo prazo: a população tradicional da cidade e do concelho diminui a olhos vistos, enquanto a do Flecheiro continua a aumentar.
Aqui chegados, convém ter presente a experiência internacional, designadamente em Espanha e em França, onde há comparativamente muito mais ciganos que em Portugal  A tal experiência que os nossos autarcas infelizmente já demonstraram ignorar por completo. Mas é o que temos.
Nesses países, após vários insucessos, chegou-se à conclusão de que  há um procedimento eficaz para realojar ex-nómadas e acabar de vez com os respectivos acampamentos precários. Esse procedimento implica a construção prévia de alojamentos suficientes para toda a população do acampamento precário a eliminar. Imediatamente a seguir, procede-se ao concurso público para a atribuição dos novos alojamentos, uma vez que não pode haver discriminação, pelo que podem concorrer todos os cidadãos que se enquadrem nos parâmetros pré-definidos. Concluído com êxito esse concurso e atribuídos todos os alojamentos, marca-se um dia e uma hora para a respectiva mudança. Colocam-se então camiões para o transporte de pertences e para levar o entulho, bem como máquinas de terraplanagem, junto ao acampamento a arrasar. As demolições começam imediatamente após a saída de cada família, vigiadas por forças policiais. No final, arrasado todo o acampamento e levado o respectivo entulho, colocam-se painéis com o aviso "Terreno municipal. Proibido acampar" A partir daí, caso haja novas tentativas de implantação de tendas ou barracas, as autoridades expulsam os prevaricadores sem dó nem piedade, naturalmente a solicitação da autarquia e com o indispensável mandato judicial.
Dito tudo isto, que reconheço ser demasiado longo e por isso enfadonho, trata-se agora de apurar o seguinte:
1 - Anabela Freitas pretende apenas começar a cumprir uma das suas promessas eleitorais, de forma a poder usar o realojamento de 25 pessoas em 200 = 12,5%, como argumento eleitoral?
2 - Ou pretende resolver de vez o velho e vergonhoso escândalo do acampamento do Flecheiro, em plena cidade?
No  primeiro caso, desejo-lhe boa sorte. Tanto no anunciado realojamento como na posterior votação eleitoral. Mas pode desde já ter a certeza de que, alguns meses após ter mandado destruir as barracas dos realojados, haverá no mesmo local ainda mais barracas. Como é que eu sei? Porque era usual além-fronteiras e ainda é nalguns concelhos portugueses. Infelizmente.
Mal começa a funcionar o boca-a-orelha "A câmara está a dar casas de renda económica", aparecem logo filhos, netos, enteados, irmãos, tios, primos, sogros, cunhados, padrinhos, compadres, amigos... que também querem. Nem que seja mais tarde, noutra fase. E, enquanto esperam, vão aparecendo mais barracas. É humano! Todos gostam de receber. Ninguém gosta de pagar.
No outro caso, mande construir a primeira fase, mande projectar a segunda e assim sucessivamente. Até haver alojamento para todos os clãs do Flecheiro, com a recenseada população actual como limite. Depois proceda, se ainda estiver no poder, conforme indicado acima. Serei o primeiro a publicitar aqui a sua coragem e a sua dedicação à causa tomarense. Porque o escândalo do Flecheiro já cheira mal, no duplo sentido do termo. Demasiado mesmo, para ser outra vez usado como argumento eleitoral.

1 comentário:

  1. Candidato Político:"Um compulsivo fazedor de promessas"

    A promessa é o “melhor” produto do marketing eleitoral.
    Não existe campanha eleitoral sem grandes promessas.
    A palavra está para o político como a linguagem está para o direito. A deturpação que se faz de cada um desses instrumentos é o que prejudica a sociedade.
    Nas eleições,vivemos apenas a escutar promessas jogadas nos horários eleitorais e nos eventos políticos despudoradamente por todos os candidatos. Algumas, até bastante hilárias...
    Para o eleitor, fica a difícil tarefa de avaliar quem mente menos.
    O bardo William Shakespeare já dizia que “Contrabalançar promessas com promessas é estar pesando o nada.”

    Infelizmente, é assim do lado de cá.

    Neila Araújo

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