sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Do que falamos quando falamos de refugiados?

Do prestigiado diário francês Le Monde, com a devida vénia:

"Grécia: jovens afegãos apanhados na ratoeira da prostituição
Serão 18 mil os imigrantes excluídos da relocalização entre países da União Europeia"

Atenas - Grécia
Correspondente do Le Monde

"Tem o olhar inquieto, gestos febris e a voz quase suplicante: "Por favor, deixe para mais tarde. Não quero dar nas vistas."  Chamemos-lhe Moamad, para manter o anonimato. É um jovem afegão, ainda longe dos 18 anos, que afirma já ter. Nessa noite, como em quase todas as anteriores, desde há três meses, anda no engate no parque Pedion tou Areos, em pleno coração de Atenas.
Aqui ninguém se esconde ou dirfarça realmente. Dezenas de menores estão por ali, sentados nos bancos ou vagueando nas áleas mais sombrias do jardim. À volta deles há homens mais velhos, gregos, vagamente absorvidos na leitura do jornal, ou passeando distraidamente os seus cães. "Dão-me 10 euros por cada vez. Ali, encostado a uma árvore, ou num velho colchão próximo do chafariz", diz-me mais tarde Moamad, longe de olhares indiscretos. "Às vezes nem me pagam, outras vezes dão-me só 2 ou 3 euros. Não posso refilar."
Pedion tou Areos é um parque burguês que já conheceu melhores dias, local de encontro para traficantes de droga e respectivos clientes desde há anos. Nos últimos meses porém, está transformado num bordel ao ar livre, onde se prostituem jovens afegãos, muitos dos quais ainda menores.
Moamad conta como a sua família o convenceu a partir sozinho, com a esperança de os poder vir a chamar depois, tanto os pais como os irmãos, uma vez obtido o estatuto de refugiado político num qualquer país europeu, graças à lei do reagrupamento familiar. "Cheguei à Grécia exactamente na altura em que a Macedónia fechou as fronteiras, em Fevereiro deste ano. Desde então durmo sobretudo no campo de refugiados de Helliniko. É péssimo. não há duches e a comida é horrível."
Nos primeiros tempos, Moamad ainda tinha algum dinheiro. "Instalada no Irão, para onde emigrámos há alguns anos, a minha família enviou-me o dinheiro que tinha. Depois deixei de lhes pedir, por saber que já não tinham mais."  Foi então que alguns dos seus amigos do campo de refugiados lhe disseram para vir com eles para Pedion tou Area. Poucos dias depois, Moamad começou a consumir droga, que os traficantes do parque propõem a esta clientela vulnerável. "Sei muito bem que nunca vou conseguir economizar os 2 mil euros que os passadores exigem para nos levar para a Sérvia; por isso agora, o que ganho com o sexo é para comprar droga. Gostava muito de nunca mais acordar."
Bastou percorrer os bairros quentes de Atenas e de Salónica, no norte da Grécia, para constatar que a prostituição infantil dos afegãos já deixou de ser algo insignificante. O jovem Ali, outro nome suposto para manter o anonimato, tem 17 anos e anda no engate três noites por semana. nas proximidades da estação de caminho de ferro de Salónica. "Há dois ou três hotéis que nos alugam os quartos à hora. Damos uma parte do que ganhamos aos porteiros. Nunca me perguntaram a idade."
Ali veio para Salónica para se aproximar da fronteira de Skopje, a capital da Macedónia. "Tento economizar para sair daqui, mas os passadores exigem no mínimo 800 euros para atravessar a fronteira.
Kasim Rouisi, presidente da Comunidade dos Afegãos da Grécia sustenta que "há uma responsabilidade europeia criminosa porque os afegãos são considerados refugiados de 2ª, uma vez que lhes recusam o estatuto de relocalização." De facto, a relocalização -o acordo concluído em Setembro de 2015 entre os países da União Europeia, para repartir entre eles mais de 60 mil refugiados até ao final de 2017- está reservado unicamente para os sírios, os iraquianos e os eritreus. Ou seja, exclusivamente para as nacionalidades que obtêm mais de 75% de aprovações nos pedidos de asilo. Sucede que a taxa de aceitação dos pedidos de afegãos, embora elevada, é de apenas 70%. Estão por isso excluídos do acordo de relocalização. Uma situação que o Alto Comissariado da ONU para os refugiados  (HCR) considera lamentável. "A maior parte deles carecem de protecção internacional e não deveriam portanto ser excluídos desse programa europeu", explicou-nos Stella Nannou, do HCR grego.
Calcula-se que cerca de 18 mil afegãos estão actualmente bloqueados na Grécia, o que representa um terço do total de refugiados presentes no país, esclarece Karim Rouisi. Alguns campos de refugiados, como Helleniko, Schisto ou Malakassa têm uma população quase exclusivamente afegã, de etnias diferentes. "Obrigam patchounes, hazaras, tadjiks, a viver em conjunto, quando conflitos graves nos dividem no nosso país. É perigoso", lamenta Karim Rouisi. Até agora há a lamentar cerca de uma dúzia de agressões, que provocaram vários feridos e um morto, todas provocadas por conflitos étnicos.
Segundo dados do governo grego, 54 mil refugiados estão bloqueados na Grécia desde o encerramento das fronteiras, em Fevereiro de 2016. Caso a UE respeite os compromissos assumidos, criando os lugares de acolhimento prometidos no quadro da relocalização, alguns milhares de iraquianos e sírios irão abandonar o país mais cedo ou mais tarde. Quanto aos afegãos, estão condenados a ficar na Grécia, tendo como única porta de saída o recurso aos passadores ou o retorno ao país de origem."

Adéa Guillot, Le Monde, 08/09/2016, página 7
Tradução e adaptação de António Rebelo

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